domingo, 1 de março de 2015

O ESPAÇO DO SIGNO DE AQUÁRIO VII


Furacão Isabel. Fonte: FreePik.

Transfiguração

No nível usual da interpretação astropsicológica, Urano é visto como um poder transformador que agita, perturba, revoluciona e dinamiza. Seu efeito profundamente perturbador tem conotações destrutivas sempre que o homem estiver tão concentrado na preservação da estrutura de sua consciência e de suas reações típicas à vida – a preservação do ego – que qualquer poder que desafie a excelência dessa estrutura do ego lhe parece, e na verdade torna-se de fato, completamente destrutivo e perturbador. Os eventos uranianos são, portanto, para o ego, o que as violentas revoluções sociais são para as classes superiores que se aferram obstinadamente a seus privilégios obsoletos e anacrônicos.

Mas, em outros casos, o desafio uraniano às estruturas do ego e aos privilégios sociais-religiosos, em lugar de manifestar-se exteriormente como uma sublevação das profundezas reprimidas e não-diferenciadas do inconsciente da pessoa – ou do povo em geral – é percebido como uma espécie de Visitação do espírito. Pode vir como uma Presença assustadora de luz e de poder ou como um relâmpago do céu. Pode ser uma visão, uma convocação para a ação, uma súbita compreensão da providência seguinte a tomar ou de uma distante meta. Coisas estas que também podem suscitar uma tamanha sensação de insegurança, de medo ou de total desalento em face do vazio espiritual dos anos já passados, que o ego cerra completamente suas estruturas de consciência, recusando-se a ver, incapaz de suportar o poder ou as implicações da revelação; e o choque pode ser tão grande, às vezes, a ponto de submeter o ego a uma triste deterioração, ao menos durante certo tempo.

A Estrela é a lente cósmica; mas a Imagem de Deus está dentro do indivíduo em quem “ego” não se tornou “alma”. O ego era o administrador-governante das respostas estruturais da consciência às experiências da vida – uma entidade tipicamente masculina preocupada com os problemas de forma, técnica e maestria sobre a matéria e a sociedade. E quando, por fim, os raios da Estrela são capazes de alcançar o núcleo de seu ser e de projetar-se sobre ele (ou despertar dentro dele) a Imagem Divina, então o ego-homem torna-se a alma-mulher cheia da luz da divindade potencial.

Urano, daí em diante, opera como um poder universal circundando a semente divina com a personalidade. Urano proporciona a essa semente um quadro de referência espiritual, mais ou menos como o útero materno envolve o embrião com um campo magnético de radiações de vida. A personalidade que se tornou uma “mãe do Deus Vivente”, sendo desse modo impregnada desse campo uraniano do espírito criativo, resplandece de luz. Essa é a Transfiguração, não um misterioso evento que aconteceu apenas a um homem, mas um estado de ser alcançado após o ponto crítico da Estrada Iluminada – o evento Saturno, após o qual o indivíduo se experimenta como um templo para o desdobramento da semente de Deus.

Aquele que faz essa transição com êxito passa simbolicamente do estado de consciência de Pedro para o de Jesus. Estará então pronto para a Transfiguração, que sela, ao mesmo tempo, o glorioso destino da semente divina (o Cristo Interior) e a rendição final (a Crucificação) do ego; uma rendição necessária ao desenvolvimento, a partir da semente divina, do novo organismo do espírito, o veículo imortal do Eu celeste.

O indivíduo que alcança esse estágio uraniano da Estrada Iluminada é agora mais que homem. Ele não só experimentou a realidade da semente divina dentro de si próprio; agora essa semente de luz brilha através da carne. O indivíduo transfigurado tornou-se um centro focal para a liberação do poder da Mente Universal, Ouranos, o deus criativo do Espaço universal. Os homens são convocados a ouvi-lo, a contrair de sua radiância o contagiante fervor de alguém em quem Deus está nascendo, cuja alma está se enchendo a transbordar pelo espírito – assim como, amiúde, numa mulher grávida parece transbordar um estranho poder de resplendente vida.


Urano é o raio, mas é também o poder criativo do Som místico que, segundo a velha tradição da Índia, penetra todos os espaços. Esse Som, como o raio, pode matar; mas ele é também a Voz de Deus dentro da alma impregnada pelo espírito. Precisa ser ouvida; porquanto o espírito é sempre e eternamente aquele que preenche todas as necessidades, que restaura a harmonia onde quer que a mente-ego e a matéria se tenham apartado. Na verdade, não pode haver real manifestação do espírito salvo se estiverem presentes duas polaridades e, estando presentes, forem integradas.

O que ocorre dentro da alma do indivíduo ainda precisa ser representado no nível coletivo da sociedade. Nessa fase do drama entre o indivíduo transfigurado e os governantes materialistas, cobiçosos de poder de uma sociedade desalmada, precisamos ver a operação lógica da Transfiguração. O indivíduo transfigurado precisa elevar-se de todo sentido de subserviência e escravização interior a qualquer “mãe” que lhe abrigou o crescimento como um organismo de consciência. Ele precisa provar sua Filiação ao Pai por efeito de perecer para todas as “mães” terrenas – para tudo quanto é coletivo e não-individualizado, tradicional e aprisionante.

Mas nesta morte é a coletividade quem finalmente se incumbe do repúdio. As classes privilegiadas repudiam o indivíduo transfigurado cujo exemplo contagioso e radiante de espírito lhes ameaça o privilégio, mas cujo ser espiritual é agora energizado e sustentado por outro poder – o poder de Urano, do espaço criativo.

A Crucificação livra o ente-Cristo da sociedade que o rejeita; ela o liberta do passado. Daqui por diante, ele pode ser unicamente um precipitado do futuro no presente em evolução. Ele pode ser um poder desembaraçado e criativo do espírito. Pode ser o futuro criativo focalizado num “organismo” de luz e espírito e através desse “organismo”.

É este o grande mistério, ou paradoxo espiritual, no centro da atividade de Urano. Para o homem egocêntrico comum, Urano é o poder revolucionário, sublevador, o poder que acaba com a paz e que destrói a atitude de confiança absoluta no passado aparentemente seguro. Depois, Urano aparece para a mente mais livre como o inspirador, o revelador, o fecundador espiritual, o transfigurador. Finalmente, ainda há uma função que precisa ser preenchida. Urano deve evocar o Adversário do indivíduo que ele transfigurou.

Sempre há elementos em qualquer personalidade que não podem sr transfigurados, que resistem à metamorfose até a última crise. O poder do Deus interior previsa vencer o medo e a insegurança do que quer que, tendo restado do velho ego, está desalentado em face da perspectiva de ver crucificadas as estruturas da personalidade que ele próprio construiu.

Tríptico Astrológico, D. R.

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