Furacão Isabel. Fonte: FreePik. |
Transfiguração
No nível usual da interpretação astropsicológica,
Urano é visto como um poder transformador que agita, perturba, revoluciona e
dinamiza. Seu efeito profundamente perturbador tem conotações destrutivas
sempre que o homem estiver tão concentrado na preservação da estrutura de sua
consciência e de suas reações típicas à vida – a preservação do ego – que
qualquer poder que desafie a excelência dessa estrutura do ego lhe parece, e na
verdade torna-se de fato, completamente destrutivo e perturbador. Os eventos
uranianos são, portanto, para o ego, o que as violentas revoluções sociais são
para as classes superiores que se aferram obstinadamente a seus privilégios
obsoletos e anacrônicos.
Mas, em outros casos, o desafio uraniano às
estruturas do ego e aos privilégios sociais-religiosos, em lugar de
manifestar-se exteriormente como uma sublevação das profundezas reprimidas e
não-diferenciadas do inconsciente da pessoa – ou do povo em geral – é percebido
como uma espécie de Visitação do espírito. Pode vir como uma Presença
assustadora de luz e de poder ou como um relâmpago do céu. Pode ser uma visão,
uma convocação para a ação, uma súbita compreensão da providência seguinte a
tomar ou de uma distante meta. Coisas estas que também podem suscitar uma
tamanha sensação de insegurança, de medo ou de total desalento em face do vazio
espiritual dos anos já passados, que o ego cerra completamente suas estruturas
de consciência, recusando-se a ver, incapaz de suportar o poder ou as
implicações da revelação; e o choque pode ser tão grande, às vezes, a ponto de
submeter o ego a uma triste deterioração, ao menos durante certo tempo.
A Estrela é a lente cósmica; mas a Imagem de Deus
está dentro do indivíduo em quem “ego” não se tornou “alma”. O ego era o
administrador-governante das respostas estruturais da consciência às
experiências da vida – uma entidade tipicamente masculina preocupada com os
problemas de forma, técnica e maestria sobre a matéria e a sociedade. E quando,
por fim, os raios da Estrela são capazes de alcançar o núcleo de seu ser e de
projetar-se sobre ele (ou despertar dentro dele) a Imagem Divina, então o
ego-homem torna-se a alma-mulher cheia da luz da divindade potencial.
Urano, daí em diante, opera como um poder universal
circundando a semente divina com a personalidade. Urano proporciona a essa
semente um quadro de referência espiritual, mais ou menos como o útero materno
envolve o embrião com um campo magnético de radiações de vida. A personalidade
que se tornou uma “mãe do Deus Vivente”, sendo desse modo impregnada desse
campo uraniano do espírito criativo, resplandece de luz. Essa é a
Transfiguração, não um misterioso evento que aconteceu apenas a um homem, mas
um estado de ser
alcançado após o ponto crítico da Estrada Iluminada – o evento Saturno, após o
qual o indivíduo se experimenta como um templo para o desdobramento da semente
de Deus.
Aquele que faz essa transição com êxito passa
simbolicamente do estado de consciência de Pedro para o de Jesus. Estará então
pronto para a Transfiguração, que sela, ao mesmo tempo, o glorioso destino da
semente divina (o Cristo Interior) e a rendição final (a Crucificação) do ego;
uma rendição necessária ao desenvolvimento, a partir da semente divina, do novo
organismo do espírito, o veículo imortal do Eu celeste.
O indivíduo que alcança esse estágio uraniano da
Estrada Iluminada é agora mais que homem. Ele não só experimentou a realidade
da semente divina dentro de si próprio; agora essa semente de luz brilha
através da carne. O indivíduo transfigurado tornou-se um centro focal para a
liberação do poder da Mente Universal, Ouranos, o deus criativo do Espaço universal. Os homens são convocados a
ouvi-lo, a contrair de sua radiância o contagiante fervor de alguém em quem
Deus está nascendo, cuja alma está se enchendo a transbordar pelo espírito –
assim como, amiúde, numa mulher grávida parece transbordar um estranho poder de
resplendente vida.
Urano é o raio, mas é também o poder criativo do Som
místico que, segundo a velha tradição da Índia, penetra todos os espaços. Esse
Som, como o raio, pode matar; mas ele é também a Voz de Deus dentro da alma
impregnada pelo espírito. Precisa ser ouvida; porquanto o espírito é sempre e
eternamente aquele que preenche todas as necessidades, que restaura a harmonia
onde quer que a mente-ego e a matéria se tenham apartado. Na verdade, não pode
haver real manifestação do espírito salvo se estiverem presentes duas
polaridades e, estando presentes, forem integradas.
O que ocorre dentro da alma do indivíduo ainda
precisa ser representado no nível coletivo da sociedade. Nessa fase do drama
entre o indivíduo transfigurado e os governantes materialistas, cobiçosos de
poder de uma sociedade desalmada, precisamos ver a operação lógica da
Transfiguração. O indivíduo transfigurado precisa elevar-se de todo sentido de
subserviência e escravização interior a qualquer “mãe” que lhe abrigou o
crescimento como um organismo de consciência. Ele precisa provar sua Filiação
ao Pai por efeito de perecer para todas as “mães” terrenas – para tudo quanto é
coletivo e não-individualizado, tradicional e aprisionante.
Mas nesta morte é a coletividade quem finalmente se
incumbe do repúdio. As classes privilegiadas repudiam o indivíduo transfigurado
cujo exemplo contagioso e radiante de espírito lhes ameaça o privilégio, mas
cujo ser espiritual é agora energizado e sustentado por outro poder – o poder
de Urano, do espaço criativo.
A Crucificação livra o ente-Cristo da sociedade que o
rejeita; ela o liberta do passado. Daqui por diante, ele pode ser unicamente um
precipitado do futuro no
presente em evolução. Ele pode ser um poder desembaraçado e criativo do espírito. Pode ser
o futuro criativo focalizado num “organismo” de luz e espírito e através desse
“organismo”.
É este o grande mistério, ou paradoxo espiritual, no
centro da atividade de Urano. Para o homem egocêntrico comum, Urano é o poder
revolucionário, sublevador, o poder que acaba com a paz e que destrói a atitude
de confiança absoluta no passado aparentemente seguro. Depois, Urano aparece
para a mente mais livre como o inspirador, o revelador, o fecundador
espiritual, o transfigurador. Finalmente, ainda há uma função que precisa ser
preenchida. Urano deve evocar o Adversário do indivíduo que ele transfigurou.
Sempre há elementos em qualquer personalidade que não
podem sr transfigurados, que resistem à metamorfose até a última crise. O poder
do Deus interior previsa vencer o medo e a insegurança do que quer que, tendo
restado do velho ego, está desalentado em face da perspectiva de ver
crucificadas as estruturas da personalidade que ele próprio construiu.
Tríptico Astrológico, D. R.
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