domingo, 20 de julho de 2014

AS PINÇAS DO SIGNO DE CÂNCER (VI)


A constelação de Câncer. Fonte: Astromax.

Por fim, o último post, como de costume, traz uma abordagem mais filosófica sobre o nosso período canceriano do ano.

Espero que tenham gostado, e que façam um bom uso.

Câncer

A vida toda é um conflito básico entre as forças que buscam isolar certo número de elementos diferentes, depois integrá-los num organismo relativamente sui-generis e independente, e as forças que procuram romper o isolamento da entidade individual, e dessa entidade fazer uma das muitas unidades dentro de um conjunto mais vasto, a cujo ritmo e finalidade servem.

O modelo cíclico duodécuplo do zodíaco é um admirável instrumento para cartografar em todo e qualquer nível as diferentes fases da luta, sempre renovada, entre a tendência para a individualização e o impulso para a coletivização.

No tipo humano de Câncer vemos em ação tanto o mais puro ou mais "áspero" individualismo  quanto uma sensação singular de temor e ressentimento motivada pela compreensão inexorável de que a maré virou e que a sociedade e seu poder coletivo acabará prevalecendo sobre o indivíduo. A pessoa de Câncer é mais conscientemente individualizada, porém mais temerosa subconscientemente da inevitável pressão das exigências que a vida, a sociedade, a humanidade como um todo, e por fim Deus, devem fazer e farão.

A mais concreta expressão dessas exigências é a criança  e o lar que ela torna necessário. Para uma mulher, estar grávida é abrir mão da individualidade de consciência arduamente conquistada  bem como de sua estrutura física. Para um homem, tornar-se o sustentáculo de um lar é ter sido colhido pelas engrenagens das obrigações sociais, da respeitabilidade e da normalidade social. A vida prevaleceu sobre a mãe; a sociedade prevaleceu sobre o chefe de família.

Câncer é o símbolo de integração pessoal, particular. Representa a vontade de estabelecer um fundamento de identidade e consciência sobre um dado conjunto de valores, limitado; representa a vontade de estabelecer um foco claro mas estreito para a operação da vida e da mente.

A necessidade de Câncer é satisfeita quando o medo da ideia misteriosamente opressiva de "perder-se numa vasta entidade coletiva" se transforma na compreensão do lugar que a pessoa ocupa, por direito próprio, em tal entidade; que tal pessoa saiba e conheça o seu lugar. E isso não quer dizer mero conhecimento intelectual ou cerebral; trata-se de um conhecimento que pertence às raízes do ser, nas profundezas do sentimento, assim como nas alturas da intuição espiritual.

Tudo isso junto significa que os vagos presságios de se perder numa imensidão coletiva só podem ser mitigados se esse tipo de pessoa puder encontrar lastro numa situação, função ou localidade claramente definidas e que ela mesma possa visualizar.

Os homens morrem de pavor onde não há nada para ouvir nem ver; onde a duração infinita não pode ser transformada em períodos de tempos com o martelar de um relógio de pêndulo; onde seus egos se sentem escorregar para o mar do Nirvana. Eles devem estar ligados a um lugar e a uma função, a uma forma e a um nome. Apegam-se com tenacidade, como com pinças de caranguejo  símbolo de Câncer. Prendem-se, como todos os homens, a suas realizações, temerosos do misterioso desconhecido em que não podem distinguir sua própria posição... ainda que o desconhecido seja Deus.

Não há jamais nenhuma necessidade de ter medo ou de se estar em necessidade. Tudo o que precisamos fazer é nunca impor limites à nossa satisfação, nunca nos deter com receio do refluxo da maré. No espírito, as alturas e as profundidades são como uma coisa só. Tudo o que há é movimento, ritmo e harmonia eterna.


O engenheiro constrói um dique para reter as águas de um rio, de modo a poder transmudar o poder de gravitação  o desgaste de toda energia  em eletricidade e luz; mas o dique não pode, sem riscos à segurança, atingir alturas superiores a certo nível; do contrário, a pressão das águas que ele contém o faria aluir. O indivíduo, analogamente, não pode continuar sempre aumentando a tensão de seus processos de pensamento; do contrário, sua mente pode estourar sob a pressão de um excessivo poder e de um exagerado número de descobertas estimulantes.

O homem precisa parar e amealhar dentro de alguma sólida estrutura o espólio que acumulou em sua vitória sobre a natureza. Antes de poder usar criativamente a inteligência ele precisa incorporá-la numa estrutura de identidade  uma estrutura que possa sustentar a massa de materiais que ele ganhou da experiência.

O homem precisa de estabilidade. Cedo ou tarde, deve parar em seu guloso açambarcamento de sensações e experiências. Onde pare um homem, aí estará seu fundamento: sua personalidade, seu lar  e, por fim, a estrutura de sua condição de existência após a morte. Sobre esse fundamento, ele edifica. Estabeleceu os limites de seu desenvolvimento potencial.

Ascender às alturas requer fundamentos profundos. Logo, o problema de atingir picos elevados de inteligência e, desse ponto privilegiado, ser capaz de abranger um vasto panorama de consciência é, antes de tudo, um problema determinado pela profundidade que se esteja disposto e preparado para atingir. Profundidade aqui significa proximidade do centro.

Alcançar o centro é atingir o cerne do vazio em torno do qual todas as massas e todas as energias estão equilibradas. É ganhar um poder de ação de alavanca, com o qual toda a natureza possa ser movida e controlada.

Há homens, e até civilizações inteiras, que buscam estabilidade derramando-se sobre uma ampla superfície de experiências. A estabilidade intelectual é uma "estabilidade de mapas"  uma abstração de aparências superficiais.

Nossa civilização moderna está construída sobre mapas e sobre uma consciência cartográfica. Mas o globo que ela vislumbra é essencialmente um invólucro vazio. Não possui vida interior; não tem centro; sequer um foco originador.

O centro vivo é um vácuo para nosso intelecto e para nossas percepções de massa e substância. Através desse vácuo, o poder criativo do universo fala. A questão que diferencia os homens, o espírito e a realidade é: "Qual é a profundidade de suas raízes? Qual é o grau de segurança de seus alicerces?"

Os homens que chegaram ao centro, canalizam essas respostas. Eles criam, eles destroem. Através dos olhos deles, que conhecem o vazio supremo, por suas mãos, que podem arar a superfície de tudo, o Eterno a Si mesmo se dá a conhecer.

Tríptico Astrológico, D. R.

Alisson Batista


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