O
símbolo Cronos
O mais jovem dos Titãs, filho de Urano, Cronos
encerra a primeira geração dos deuses cortando fora os testículos do pai. Para
não ser destronado por causa da progenitude, segundo a predição de seus pais,
devora os próprios filhos logo que nascem.
Réia, sua irmã e esposa, foge para Creta a fim de dar
à luz Zeus. E em lugar do menino, dá a Cronos, para comer, uma pedra. Adulto,
Zeus ministra a Cronos (Saturno) uma droga que o faz vomitar todos os filhos
que engolira. Com o auxílio deles, Zeus acorrenta Cronos, mutila-o, e abre a
era da segunda geração dos deuses.
Cronos é muitas vezes confundido com o Tempo
(Chronos), do qual se tornou a personificação para os intérpretes antigos da
mitologia. Como tantas vezes acontece, tais interpretações, se bem que fundadas
num jogo de palavras, exprimem assim mesmo uma parte de verdade. Cronos, mesmo
que não seja identificado a Chronos, tem o mesmo papel do tempo: devora, tanto
quanto engendra; destrói suas próprias criações; estanca as fontes da vida,
mutilando Urano, e se faz fonte ele mesmo, fecundando Réia.
Simboliza a
fome devoradora da vida, o desejo insaciável. Muito mais que isso:
com ele começa o sentimento de duração e, mais especificamente, o sentimento de
uma duração que se esgota, i.e., que extravasa e passa entre a excitação e a
satisfação. Simboliza também o medo de um
herdeiro, de um sucessor, de um substituto. Complexo de Cronos, inverso do
complexo de Édipo.
Robert Graves estima que não foi um simples
trocadilho que permitiu identificar desde a Antiguidade Cronos com Chronos (o
tempo), armado com sua foice implacável. Cronos, diz o sábio inglês, é representado
em companhia de um corvo, como Apolo, Asclépio, Saturno e o deus celta Brân
(celta: corvo) ou Brendigeidfran (“Bran, o abençoado”) e Cronos significa,
provavelmente, “gralha”, como no latim cornix e no grego coroné. O corvo era uma ave oracular, que se
acreditava habitar a alma de um rei sagrado depois de ter sido esse rei
sacrificado. Tal hipótese daria à
castração de Cronos uma conotação sacrificial, e o deus mutilado, feito
pássaro, simbolizaria, em consequência, a sublimação dos instintos.
Cronos é o soberano incapaz de adaptar-se à evolução da vida e da sociedade. Sem
dúvida ele deseja a felicidade de seus súditos e a paz de uma idade de ouro.
Mas é ele só quem governa; rejeita toda a ideia de sucessão; não concebe outra
sociedade que não a sua. Para transformar-se, o mundo tem de se revoltar, e
Cronos ou é castrado pelos filhos ou se retira para o céu. Em outras palavras:
ou ele é expulso ou recusa servir a outra ordem além daquela que concebeu e
quis. É a imagem mesma do conservantismo cego e obstinado. É vencido, por sua
vez, e se seu reinado está ligado à lembrança de uma idade de ouro, é porque
esta configura, no tempo que escoa, um período ideal, que concentra a
realização de todos os sonhos, e que deve, forçosamente, permanecer imóvel: é a
contradição do tempo, uma pausa na evolução inelutável, uma condenação à morte.
Cronos é o chefe acabado dessa perfeição estagnante.
O paraíso se basta, é incontestável. As pessoas devem satisfazer-se com ele,
não devem ter vontade de deixá-lo. Mas chegam outros seres, com todas as suas
possibilidades de inovação e de conflito, com suas tentações de expandir-se, em
liberdade e em poder: o que Cronos não poderia admitir, e isso o condena
necessariamente à derrota. Ele perde o poder, i.e., castram-no.
O deus Cronos. Fonte: IE / Universidade de Lisboa. |
O
símbolo Saturno
O Saturno romano não se identifica com o Cronos
grego, ao contrário do que afirmam certas interpretações um pouco precipitadas,
que só se justificam bem mais tarde.
A sua associação ao rei Jano, que o teria acolhido em
Roma, teria deixado a imagem de uma era de ouro: aqui, ele simboliza o herói
civilizador e, em particular, aquele que ensina o cultivo da terra. Nas festas
que lhe eram consagradas, as Saturnais, as relações sociais eram invertidas –
os criados mandavam em seus senhores e estes serviam os seus escravos à mesa.
Seria uma obscura lembrança do fato de que Saturno havia destronado o pai,
Urano, antes de, por sua vez, ser destronado por seu filho Zeus ou Júpiter?
Para o pensamento hermético, aos olhos dos químicos
vulgares, Saturno é o chumbo. Mas para os
Filósofos herméticos, é a cor preta, da matéria dissolvida e putrefata, ou o
cobre comum, o primeiro dos metais, ou ainda o vitríolo azóico de Raymond
Lulle, que separa os metais. Todas estas, imagens que indicam uma função
separadora, ao mesmo tempo um começo e um fim, uma interrupção num ciclo e o
começo de um novo ciclo, em que a ênfase maior é dada a um corte ou a um freio
na evolução.
Na astrologia, Saturno encarna o princípio de
concentração, da contração, da fixação, da condensação e da inércia. É, em
suma, uma força que tende a cristalizar, a fixar na rigidez as coisas
existentes, opondo-se, assim, a toda mudança. O nome de Grande
Maléfico lhe é conferido a justo título,
pois ele simboliza todo tipo de obstáculo, as paradas, a carência, o azar, a
impotência, a paralisia.
O lado bom do seu influxo confere uma profunda
penetração, resultante de longos esforços refletidos, e corresponde à
fidelidade, à constância, à ciência, à renúncia, à castidade e à religião. Os
seus dois domicílios – Capricórnio e Aquário – são opostos aos luminares,
portanto, à luz e à alegria da existência. No organismo, ele rege a estrutura
óssea.
Saturno é o planeta maléfico dos astrólogos; sua luz,
triste e fraca, evoca, desde os primeiros tempos, as tristezas e provações da
vida; sua alegoria é representada pelos traços fúnebres de um esqueleto movendo
uma foice.
No nível mais profundo da função biológica e
psicológica que Saturno representa, na verdade, descobrimos um fenômeno de
desprendimento: a série de experiências de separação que se encadeia ao longo
da história do ser humano, desde a ruptura do cordão umbilical do recém-nascido
até o despojamento supremo do velho, passando pelos vários abandonos,
renúncias, sacrifícios que a vida nos impõe.
Através desse processo, Saturno fica encarregado de
liberar-nos da prisão interior de nossa animalidade e dos nossos laços
terrestres, libertando-nos das correntes da vida instintiva e de suas paixões.
Nesse sentido, ele constitui uma força de freio em favor do espírito e é a
grande alavanca da vida intelectual, moral e espiritual.
O complexo saturnino
é a reação da recusa de perder aquilo a que nos ligamos sucessivamente durante
a vida, a fixação cristalizada na infância, o desmame e as situações diversas
de frustrações afetivas que levam a uma exasperação da avidez sob várias formas
(bulimia, cupidez, ciúme, avareza, ambição, erudição), ligando o aspecto
canibalesco do mito ao tema de Cronos devorando os seus próprios filhos.
A outra face desse Jano apresenta o quadro contrário
de um desprendimento excessivo sob os diversos aspectos da auto-anulação, da
desistência do ego, da insensibilidade, da frieza, da renúncia extrema que
resulta no pessimismo, na melancolia e na recusa de viver.
Dicionário de Símbolos, J. C. & A. G.
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