Cinturão de Kuiper. Fonte: AstroWatch. |
O
planeta (?) Plutão
Desde a década de 1930, Plutão não parou de encolher
a cada novo avanço das técnicas de mensuração. Sua massa despencou da
estimativa original de cerca de dez vezes a massa da Terra para um décimo,
depois para um centésimo e, enfim, para dois milésimos da massa terrestre. Do mesmo
modo, seu diâmetro se reduziu de 12,8 mil quilômetros (quase igual ao da Terra)
para 2,5 mil – no máximo. O planeta é, na realidade, menor que Mercúrio e menor
até mesmo que sete satélites do Sistema Solar, entre eles a Lua. O diâmetro de
Caronte, a lua descoberta em 1978, equivale a metade da largura do próprio
Plutão (para comparar, o diâmetro da maioria das outras luas é apenas um
centésimo da largura dos planetas que elas orbitam).
Mirrado e ridicularizado, ele foi totalmente
destituído de sua razão de ser depois que a Voyager 2 passou por Netuno em 1989. A necessidade de um nono planeta
evaporou-se quando ficou confirmado que Netuno e Urano contrabalançavam as
anomalias orbitais um do outro. Os cálculos que levaram Lowell a prever o
planeta X mostraram-se aparentemente tão ocos quanto os canais marcianos.
Plutão adquirira renome público como resposta a uma pergunta sem sentido.
Em 1992, um pequenino astro parecido com Plutão
surgiu nos confins do Sistema Solar, seguido em 1993 por cinco outros semelhantes
a ele e, nos anos seguintes, por centenas e centenas de outros corpos. Essa
população periférica conferiu a Plutão uma nova identidade – se não o último
planeta, então o primeiro cidadão de uma praia longínqua e prolífica.
Plutão parece estar revivendo a história do primeiro
asteróide, Ceres. Perseguido, como Plutão, por motivos matemáticos, ele foi
saudado como o “planeta perdido” entre Marte e Júpiter no início do século XIX.
Quando observações sucessivas provaram que Ceres era pequeno demais, e seu
tipo, numeroso demais para ser incluído entre os mundos maiores, os astrônomos
reclassificaram todos eles como “asteróides” em 1802 e, mais tarde, como
“planetas menores”.
Mesmo entre os seiscentos membros da fraternidade de
astrônomos planetários, opiniões sobre Plutão permanecem ferozmente divididas.
É um planeta ou não é? Infelizmente, a palavra “planeta”, cunhada muito antes
de a ciência exigir uma especificidade rigorosa de definições, não tem como
sustentar a imensidão de gradações possíveis de sentido implicadas pelas
descobertas mais recentes.
A campanha para excluir Plutão do cadastro
planetário, algo que quase todos consideram um rebaixamento inglório, é na
verdade uma homenagem à diversidade maior de um Sistema Solar expandido. Plutão
e seus confrades ocupam a chamada “terceira região”, que tem o formato de um donut e se estende no mínimo cinquenta vezes a
distância Terra-Sol para além de Netuno. Como todos os objetos desse território
diferem fundamentalmente dos planetas terrestres da primeira região e dos
gigantes gasosos gelados da segunda, receberam uma nova designação específica:
“anões gelados”, “objetos do Cinturão de Kuiper” ou ainda “objetos
transnetunianos”.
A população do Cinturão de Kuiper cresce
ininterruptamente e inclui entre os seus maiores habitantes Quaoar, Varuna e
Ixion, todos descobertos em 2001 e 2002.
Plutão, o primeiro e primaz objeto do Cinturão de
Kuiper, obedece a uma órbita fortemente inclinada e altamente elíptica. Ao
longo de um período de 248 anos, alterna entre elevar-se muito acima e
mergulhar muito abaixo do plano do Sistema Solar, e entre vagar a uma distância
do Sol quase duas vezes maior que a de Netuno num extremo e insinuar-se no
interior da órbita deste no outro. Essa trajetória errante, tão diferente da de
qualquer outro planeta, contribuiu para que ele fosse taxado de excêntrico
desde o início. Entretanto, pelos padrões do Cinturão de Kuiper, sua órbita é
quase corriqueira. Cerca de outros 150 objetos do cinturão seguem cursos
similares e evitam colidir com Netuno mediante um acordo de ressonância entre
eles: Netuno circunda o Sol três vezes no mesmo tempo que Plutão e companhia
levam duas para circulá-lo. quando Plutão invade a órbita de Netuno, o faz
sempre no auge da amplitude de oscilação, deixando Netuno bem abaixo e afastado
no mínimo um quarto de volta.
Plutão gira em torno de seu eixo uma vez a cada seis
dias, mostrando e ocultando os indistintos borrões de sua vaga paisagem. Como
Urano, ele está deitado de lado – isto é, o plano do equador está quase em
ângulo reto com o plano de sua órbita –, vítima de uma colisão no passado. Na
verdade, os cientistas planetários acreditam que o mesmo agente impactante
derrubou Plutão e lascou fora sua lua, Caronte, de um só golpe.
Plutão e Caronte, distantes um do outro menos de 20
mil quilômetros, estão em órbita travada em torno de um ponto a meio caminho
entre ambos. Os dois giram na mesma velocidade enquanto circulam esse ponto em
conjunto, de tal modo que um mantém sempre a mesma face voltada para o outro. Graças
a esse arranjo orbital incomum, podemos até nos referir a esses astros como
sistema “Plutão-Caronte”, o primeiro exemplo conhecido de um verdadeiro planeta
“duplo” ou “binário”.
Plutão e Caronte. Fonte: Universe Today. |
Menos de uma década depois da descoberta de Caronte,
Plutão e sua lua posicionaram-se no espaço de tal modo que se revezam
eclipsando um ao outro, conforme vistos da Terra. Esse arranjo fortuito só
ocorre duas vezes durante a órbita do planeta, ou uma vez a cada 124 anos. A
partir de 1985, os astrônomos tiraram bom proveito dessas inúmeras ocultações
mútuas e deduziram as melhores aproximações possíveis da massa, diâmetro e
densidade dos dois corpos. Com cerca de duas vezes a densidade da água, Plutão
e Caronte são mais densos do que qualquer um dos gigantes gasosos vizinhos,
embora não cheguem nem à metade da densidade dos planetas terrestres ricos em
ferro: Mercúrio, Vênus e Terra.
Possivelmente entre dois terços e três quartos de
Plutão consistem em rocha, e o restante, gelo. Acima da sua base de gelo,
porções de nitrogênio, metano e monóxido de carbono congelados foram
identificados à distância. Quando Plutão se aquece no interior da órbita de
Netuno por duas décadas a cada dois séculos, durante sua máxima aproximação do
Sol, os gelos superficiais evaporam parcialmente, formando uma atmosfera
vaporosa e rarefeita. Subsequentemente, quando se afasta do Sol e sua
temperatura volta a cair para o nível de frigidez normal (em torno de 200 graus
Celsius negativos), essa atmosfera despenca e cobre o chão, especialmente em
torno dos pólos, com uma neve fresca e exótica. Sob esse aspecto, Plutão
comporta-se mais ou menos como um cometa (que também se aqueceria e liberaria
gás gelado ao aproximar-se do Sol), embora permaneça distante demais para fazer
uma exibição digna de nota.
Quando a luz do Sol chega a Plutão, a distãncia
atenuou-a cerca de mil vezes. Isso significa que, de dia, o planeta lembra uma
noite de inverno iluminada pela Lua. Na sua paisagem refletora, geadas
superficiais brilhantes coexistem com áreas escuras, que talvez representem
afloramentos de rocha ou depósitos de compostos orgânicos extorquidos do gelo
pela radiação ultravioleta do Sol. Polímeros com cores indicativas da presença
de carbono – rosa, vermelho, laranja, preto – provavelmente proliferam em
Plutão.
Apesar da similaridade entre as composições de Plutão
e Caronte, e da origem comum de ambos, a massa e a gravidade menores da Lua
levam-na a abrir mão de seus gases. As moléculas vaporizadas na sua superfície
não ficam pairando, à espera, para retornarem mais tarde como flocos de neve;
elas simplesmente escapam espaço afora. Como resultado, Caronte reflete muito
menos luz do que Plutão, e sua superfície provavelmente parecerá fosca e neutra
em fotografias quando o mundo binário Plutão-Caronte for enfim visualizado por
uma espaçonave visitante.
A demografia do Cinturão de Kuiper já lança indícios
das grandes ondas migratórias que caracterizam a história primitiva do Sistema
Solar. Ao que parece, na época em que os planetas gigantes estavam finalizando
seus processos de acreção, todos os objetos do Cinturão de Kuiper foram
exilados de posições mais próximas do Sol para o local onde se encontram hoje.
Júpiter e Saturno engoliram alguns planetesimais que se encontravam por perto e
aceleraram muitos outros com tal força que esses corpos foram banidos do
Sistema Solar. Embora Urano e Netuno também participassem dessa diáspora planetesimal,
careciam de força suficiente para arremessar os objetos inteiramente além do
alcance do Sol e acabaram relegando-os ao Cinturão de Kuiper.
Como resultado desses deslocamentos, Júpiter perdeu
parte de sua energia orbital e aproximou-se do Sol. Por sua vez, Saturno, Urano
e Netuno ganharam energia e se afastaram. Plutão, que teria ocupado uma órbita
circular regular nessa fase, foi empurrado para longe pela influência
gravitacional de Netuno. Ao longo de dezenas de milhões de anos, Netuno forçou
Plutão, o expatriado arquetípico, a seguir uma trajetória cada vez mais
elíptica e cada vez mais inclinada.
Plutão e outros residente do Cinturão de Kuiper foram
bastante assolados pelos eventos no Sistema Solar. Os cientistas esperavam que
o cinturão preservasse materiais originais em estado prístino, tal como eram
desde a formação do Sol, mas hoje o veem como uma zona de guerra para onde os
astros foram lançados e onde engalfinham-se uns com os outros. As raízes
genealógicas legítimas, inconspurcadas, da família solar terão de ser buscadas
em alguma região ainda mais remota.
Esses escombros antigos encontram-se tão distantes e
distribuídos numa área tão distendida que a periferia do Sistema Solar
mostra-se transparente como uma bola de cristal. Pela bolha de suas bordas
limítrofes podemos enxergar até o infinito – através da Via Láctea, que abriga
o nosso Sol, até as outras galáxias que rodopiam como cata-ventos espalhados
pelo universo, com bilhões de estrelas fervilhando de planetas.
Às vezes, o estupefaciente vislumbre do espaço
profundo faz com que eu queira me enfurnar, como um pequenino animal buscando a
segurança quente do seu ninho terrestre. Mas um número igual de vezes sinto o
universo chamar meu coração e oferecer, em todas as suas Terras espalhadas na
imensidão, uma comunidade maior à qual pertencer.
Os Planetas, D. S.
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