Durante séculos incontáveis homens e animais, árvores
e nuvens têm cantado hinos ao Sol. A ele, cuja mágica poderosa sustém todas as
coisas que respiram e compele todas as águas a se elevarem, seja em folhas ou
nuvens – a ele, o refulgente, fonte de calor, outorgador de vida – a ele, a natureza
toda presta homenagem.
A esses gestos das plantas damos o formidável nome de
“heliotropismo” – a ânsia das folhas verdes pela luz solar. Quando os homens se
voltam para o leste a fim de celebrar com preces o reaparecimento diário do
Sol, falamos de “devoção”.
À medida que o homem desenvolve cada vez mais sua
consciência individualizada, o natural “heliotropismo” de sua alma – a devoção
espontânea de sua vida ao Sol – transforma-se na ânsia por alcançar um estado
exaltado de seu ser emocional e mental interior. O Sol aparece-lhe não só como
Criador do universo, mas também, num sentido muito mais pungente e extasiante,
como a fonte de vida, de identidade e de personalidade dentro do âmago mais
pessoal e íntimo de seu ser. Ele mesmo resplandece com um aspecto solar.
Convencido, além de qualquer possibilidade de dúvida, de que ele é, na
realidade, um sol para aqueles que ainda não são capazes de experimentar esse
êxtase de identificação com a Essência solar, passa a esperar, e em breve a
exigir, desses outros que para ele se voltem como para um sol encarnado.
No processo natural de desenvolvimento humano, esse
ideal de transfiguração divino-solar desce a níveis de crescente diversidade.
Serve para vivificar a avidez humana do poder, o desejo humano de estender o
raio de ação de sua personalidade e o âmbito de sua autoridade sobre outros. Os
privilégios hereditários de reis e sacerdotes nele encontram a substância de
seu vigor.
O heliotropismo transforma-se em “ideotropismo”. As
ideias governam o mundo dos homens. Entretanto, não só as ideias. Para serem
eficazes, as ideias precisam poder tocar a nascente genérica ou socializada da
vida humana; os instintos, as emoções primordiais, as profundas Imagens
coletivas de uma raça, cultura ou civilização. As ideias precisam ser
dramatizadas. Ao ritual simples do viver natural – a alternação cósmica de dia
e noite, vida e morte, luz e sombra – sucedem-se os dramas infinitamente
variados, complexos e desconcertantes nascidos da imaginação humana.
O Leão de ouro. Fonte: PD4 Pic. |
Esse drama é candentemente experimentado onde quer
que o tipo de indivíduo que corresponde às características do signo zodiacal de
Leão esteja em atividade. Excitada pela intensidade desse sentimento de luz e
sombra, mas incapaz de enfrentar a sombra em suas próprias profundezas
interiores e de atingir a condição de transluzente identidade, a personalidade
de Leão percorre dramaticamente o palco do mundo enchendo almas receptivas com
a projeção de sua sombra, e calcinando muitos dentre os mais ávidos recebedores
de sua luz com suas próprias imagens escuras.
Ele erige templos ao Sol, mas os edificadores são
transformados em escravos e morrem em lúgubre servidão. Para manter os escravos
em sujeição voluntária às trevas da devoção cega, o autocrata Leão –
sumo-sacerdote ou rei – é compelido a encenar uma grandiosa tragédia após
outra, a suscitar uma gloriosa fantasia após outra. Ele enche seu mundo de
gestos e de lemas, de heróis e de traidores da verdade, de tumultuosos triunfos
e de estridentes gritos de guerra. Suas cruzadas rumo ao Sol avançam sobre a
pilha dos restos de seus perdidos devotos.
O herói viceja na tragédia. Sem a tragédia, como
haveria feitos heróicos? Daí vermos o governante solar glorioso compelido a
suscitar a guerra. Algumas pessoas, algum grupo, algum indivíduo deve ser
escuro e mau, para que, vencendo-os, o grande líder dê provas de seu heroísmo.
Este é o mistério do espírito em ação, o de que não pode haver feitos nascidos
do espírito a não ser em resposta a uma necessidade.
A eles que têm vivido eternos dramas de luz e trevas,
deverá sobrevir aquela quietude de coração, aquele repouso na verdade, aquela
simplicidade de ação que transfigura e que apazigua. Aquietar-se – ser simples.
Pois, que mais é “simplicidade” senão a vitória sobre a dualidade e sobre o
drama? Ser simples é ser de uma só essência. É ser aquilo que para sempre é o
que é, e unicamente isso. O que também significa “verdade”; pois ser
“verdadeiro” e ser “puro” é ser inteira e unicamente o que se é, sem nenhuma
adulteração, mistura ou conflito. É resolver-se em unidade... que é paz.
A alma humana, liberta dos dramas da luz, abre-se
para a paz e a grandeza de céus coalhados de estrelas. Essa mesma paz pode
prevalecer a toda hora sobre aquele que for capaz de encontrar-se com o Sol com
simplicidade e verdade. Contente em ser apenas o que é, ereto e franco em seu
trabalho nos campos desta Terra. A seus olhos, o espaço alastra sua infinitude
em formidável quietude. Os homens que ousam fixar esses olhos veem a si mesmos
em meio às estrelas.
Tríptico Astrológico, D. R.
Alisson
Batista
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