A Virgem e o menino - bizantino. Fonte: Blogue Sobre a História da Arte. |
A todo homem o espírito concede um dom de acordo com
sua necessidade mais característica, pois o espírito é aquele que enche todo o
reservatório vazio com a radiância da satisfação. Cada receptáculo – cada tipo
de ser humano – clama de suas profundezas por aquela substância inestimável que
lhe serão águas vivas para a sede. No entanto, muitos avaliam mal suas mais
íntimas necessidades. Vivem à superfície de si mesmos.
No tipo humano de Virgem, a própria substância da
identidade consciente se encontra em “estado crítico” – num estado comparável
ao que exise entre o gelo e a água líquida, quando a solidez escorrega
hesitante para a liquidez desconhecida, o estático para o dinâmico, o
inflexível para o multiforme.
Virgem assinala a fase da metamorfose em que o ego
consciente sente o impacto do mundo de total relatividade e de participação num
todo maior do qual deve ser apenas uma dentre muitas outras partes. Ele sente
esse impacto, e recua com medo ou em confusão, com angústia ou dor. Suas
profundezas abaladas por misteriosas revoluções, ele procura explicar,
formular, criticar, fugir, inventar muitos e formidáveis substitutos, fazer-se
devoto de deuses exóticos. Experimenta toda maneira possível de se manter em
ação, de pensar, de avaliar – enquanto que a única coisa necessária é
simplesmente estar quieto e em silêncio, para suportar a pressão da evolução, a
fatalidade da metamorfose.
Mantendo um tipo de atividade mental forçada e
exageradamente ansiosa, o ego brinda-se com a ilusão de que seu poder é ainda
supremo. Tal comportamento indica que o ego tem, realmente, aprendido e está
disposto a aprender novos meios de ajustamento à experiência. No entanto. todos
esses esforços ainda são controlados pelo ego. Eles ainda dizem respeito às
camadas superiores do ser, ao gargalo do vaso e não à sua profundeza interior.
Não contestam o fator essencial: a qualidade do ego propriamente dito, o valor
e o significado de sua autoridade ou de seus privilégios.
Significará isto, então, que o ego deve abdicar de
seu domínio? Que deve deixar as potências amorfas do inconsciente irromperem à
superfície do ser e devastar todas as estruturas de seu reino? O necessário,
durante a crise simbolizada por Virgem, é a “transfiguração” ainda mais que a
“transformação”. A substância da consciência e da identidade deve se renovar; e
como subproduto dessa renovação vai necessariamente uma redeclaração de
propósito.
As estruturas do ego podem ser conservadas, mas a
finalidade dessas estruturas e do próprio ego deve se renovar; o conteúdo
obscuro e pesado da consciência deve transformar-se em fulgor e luz. Esta é a
nossa crise. Este é o nosso desafio de Virgem. Esta é a nossa necessidade. E a
esta necessidade o espírito responde com uma palavra de profundo significado,
ainda que pouco compreendida: tolerância.
Tolerância não é ausência de intolerância. Não
significa simplesmente deixar de pôr defeitos no que os outros pensam, sentem
ou fazem. Significa etimologicamente “suportar”. Suportar o quê? – O peso da
necessidade de mudança e de desenvolvimento. Ser tolerante é arcar com a
responsabilidade de uma busca incessante de conhecimento mais amplo, de
sentimentos menos estreitos e de comportamento mais ajustável. Significa a
capacidade de erguer-se em prontidão e com o coração aberto quando Deus bate à
porta e chama o indivíduo – e a nação – para seus maiores destinos. É a capacidade
de desenvolver-se tornando-se cada vez mais abrangente.
Tolerância não é virtude negativa. É uma atitude
positiva e consciente que se refere à pessoa e a suas crenças, muito mais do
que a alguma outra pessoa ou opinião. Com Virgem, o hemiciclo zodiacal iniciado
em Áries chega ao fim. O dom do espírito para o tipo de atividade de Áries é o
da “adaptabilidade”. Mas, no estágio de Áries da resposta humana, a
adaptabilidade à vida opera essencialmente ao nível instintivo, ou pelo menos
acional. Deve tornar-se, no estágio de Virgem, uma clara compreensão de que
nenhuma verdade é completa, ou sequer real, se não incluir o seu oposto – e
tudo o mais que ocorrer entre ambos!
Apenas essa compreensão pode ser o fundamento da
verdadeira tolerância. A tolerância é a disposição de aceitar as crucificações
que representam os resultados inevitáveis da aceitação de todos os opostos, o
necessário prelúdio da abrangência e da integração. É a essência dinâmica do
desenvolvimento da consciência do homem – o caminho para a divindade.
A tolerância, a compaixão e a caridade são as três
grandes virtudes cuja aquisição favorece o caminho do tipo de pessoa de Virgem
– e, em maior ou menor grau, de todos os seres humandos. A tolerância diz
respeito mais especificamente à mente, a compaixão ao coração, e a caridade
refere-se mais aos domínios da ação; entretanto, todas as três são
manifestações da mesma raiz profunda – a disposição a desenvolver-se por efeito
de experimentar e assimilar aspectos sempre mais numerosos e variados da
verdade, do amor e da ação sacrificial.
Essas três grandes virtudes favorecem o caminho de
Virgem, porque nesse caminho encontra-se uma especial necessidade delas. Nesse
caminho de crise e de reorientação pessoal, é tão fácil concentrar-se nas
tribulações imediatas que os obstáculos ao desenvolvimento são magnificados a
expensas da clara compreensão da finalidade que a crise deve revelar ao homem
que a aceita sem ressentimento, rebelião ou angústia.
A preocupação de Virgem com detalhes de trabalho, com
técnica, com saúde e higiene, com vivissecções analíticas de si mesmo e dos
outros é, na realidade, uma focalização nos valores negativos da crise. Todas
essas características tradicionais de Virgem devem ser apresentadas tais quais
realmente são: paliativos e substitutos do único grande esforço realmente
necessário.
A grande crise do desenvolvimento pessoal que vem com
o simbolismo de Virgem implica não só uma mudança nos conteúdos do corpo ou do
ego, mas um enfoque inteiramente novo do próprio continente. Purificar o corpo
ou o ego não é o bastante. Absorver a sombra que eles projetam, “saltar sobre
ela” e assim dissolvê-la ou dissipá-la: é este o grande problema a cuja solução
a crise da metamorfose pessoal deve ser dedicada.
Essa operação misteriosa e intrigante está ao fundo
de todos os esforços menores que caracterizam a fase de Virgem da evolução
humana. É a “grande obra” dos verdadeiros Alquimistas. O caminho para a
divindade é através de nossa própria sombra. O modo de assimilar toda a verdade
é assimilar o ego que procura conhecer toda a verdade.
Tríptico
Astrológico, D. R.
Alisson Batista
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