sábado, 20 de setembro de 2014

A TÉCNICA DO SIGNO DE VIRGEM VII


O rapto de Prosérpina, de G. Bernini (1621/22). Fonte: Hades.

Dado que o homem é tanto uma unidade de consciência como um agente para liberação de poder, ele precisa passar pela prova do sofrimento. Porque pode usar o poder inerente a seu organismo total tendo em vista objetivos vislumbrados por sua consciência, objetivos que não raro conflitam com o fim último e inexorável da evolução humana; porque pode usar suas energias de formas que violem o caráter natural do próprio poder – ele precisa experimentar dor.

O sofrimento é a sombra da vida não vivida pelo homem, a pressão da potencialidade não realizada, o tranco reativo da energia não usada. Só o homem sofre, porque só ele pode ser derrotado pela vida terrena. Ele pode conhecer a derrota, porque só ele pode experimentar vitória. Todo sofrimento é uma derrota. Pode ser uma derrota direta. Pode ser uma derrota comungada com os que são amados, com a humanidade – uma comunhão inevitável. Nenhum homem é verdadeiramente vitorioso se sua vitória acarretar a derrota de alguém. A única vitória humana é sobre a entropia da natureza – a vitória sobre a morte.

O único modo de vencer o sofrimento é o da Ressurreição. Aquele que usa o próprio sofrimento como fundamento de sua Ressurreição acaba, com o tempo, não precisando sofrer; pois a Ressurreição é o pleno viver da vida, a completa realização do potencial humano, a total liberação de energia natural, à proporção que o homem trespassa a natureza e dela volta a emergir.

Saber sofrer: eis a prova. Levar o sofrimento a atender à finalidade da Ressurreição: eis a essência do viver espiritual no homem individualizado. Usar a decepção, o medo e o fracasso como trampolins para a imortalidade: esta é a antiga e eterna técnica que conduz à final maestria. Para fazê-lo, o homem precisa assumir uma atitude corajosa em relação ao fracasso, precisa fazer uma avaliação objetiva das causas do fracasso e desprender-se emocionalmente do passado – qualquer passado.

Avaliação objetiva. Esta é a prova de visão e entendimento; um fator, depois do outro, isolados, medidos e sopesados contra o conjunto dos valores que a vida, a cultura, a sociedade e as palavras dos homens inspirados por Deus, pronunciadas em séculos há muito passados, apresentaram ao indivíduo desde o nascimento. O primeiro requisito é a capacidade de ser objetivo em relação ao fator a avaliar. Isto quer dizer separar-se desse fator; ficar só e não-identificado; romper um a um, ou num só gesto largo, a grande infinidade de laços que nos prendem a consciência à coisa nascida de nosso viver, como um rebento de nosso próprio ventre.

Mas não há que glorificar o sofrimento; ele deve ser usado. Não se deve glorificar a morte; devemos trespassá-la com um sorriso. A dor deve ser compreendida como um gesto protetor da vida; não só da vida do corpo, porém, muito mais, da vida da psique.


A dor é a guardiã de nossos tesouros não descobertos. Ela revela que nos desviamos da plenitude de nossa natureza potencial; que estamos perdendo a substância de nosso ser interior, que somos gestores ineficientes de nossas riquezas humanas.

O sofrimento não pode nunca ser um objetivo ou ter valor em si mesmo. O sofrimento é um processo de compreensão consciente de valor: é uma transição. O homem sofre por ser mais do que se acredita. O sofrimento é a condição para romper a identificação do homem com o “menos”, à medida que sobe em sua escalada para o “mais”. É a pressão de seu destino maior sobre seu apego a metas inferiores. A não ser que, por meio do sofrimento, o homem aprenda a separar totalmente sua consciência e seus sentimentos de seu passado e do passado da humanidade, seu sofrimento não terá sentido.

E é preciso compreender o passado. Dele precisamos desemaranhar a essência do “significado”. O homem que nunca olha para trás ainda tem que entender a importância do tempo cíclico.

O poder precisa ser usado, ou sofreremos. Ele deve ser usado “direito”, de acordo com seu caráter natural; do contrário, experimentaremos dor. Por ser o homem espírito, e espírito significar consciência, o poder e bem assim os mecanismos de sua liberação devem ser compreendidos com uma consciência objetiva clara. Só “compreendemos” o poder submetidos à pressão de seus possíveis efeitos. Ele deve aceitar a plena responsabilidade por essa liberação. Tudo isso junto significa sofrimento e dor, enfermidade e morte inclemente.

Será que o homem, desalentado pela monstruosa morte que produziu, vai desistir com adolescente angústia de singrar o mar desconhecido desse novo poder e procurar irracionalmente regressar ao encanto, à cultura e à paz de uma era a que a nova liberação de poder violentamente pôs fim? Acaso lamentará o passado e se entregará aos fantasmas desse passado, tão belo é ele em seu leito de morte? Ou, após um derradeiro olhar de suprema perceptividade, cortará com um corajoso golpe de espada o cabo que firma o vaso de sua alma e se lançará sobre a vasta expansão de um mundo de energias incógnitas – do qual o poder nuclear é presumivelmente apenas o limiar.

Sofrimento, dor e morte – porque isto é uma transição. A substância deles todos é a dor; e no homem, o consciente e o compreendedor é o sofrimento. O sofrimento só pode cessar com a Ressurreição, em qualquer homem verdadeiramente humano. Pois ser homem é ser incessantemente mais do que se é. Até que o indivíduo se torne Homem. Até que todos os homens vitoriosos, tendo aprendido a usar corretamente, em sua plenitude, o poder que lhes pertence em Deus, já não necessitem mais sofrer.

Tríptico Astrológico, D. R.

Alisson Batista

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