O rapto de Prosérpina, de G. Bernini (1621/22). Fonte: Hades. |
Dado que o homem é tanto uma unidade de consciência
como um agente para liberação de poder, ele precisa passar pela prova do
sofrimento. Porque pode usar o poder inerente a seu organismo total tendo em
vista objetivos vislumbrados por sua consciência, objetivos que não raro
conflitam com o fim último e inexorável da evolução humana; porque pode usar
suas energias de formas que violem o caráter natural do próprio poder – ele
precisa experimentar dor.
O sofrimento é a sombra da vida não vivida pelo
homem, a pressão da potencialidade não realizada, o tranco reativo da energia
não usada. Só o homem sofre, porque só ele pode ser derrotado pela vida
terrena. Ele pode conhecer a derrota, porque só ele pode experimentar vitória.
Todo sofrimento é uma derrota. Pode ser uma derrota direta. Pode ser uma
derrota comungada com os que são amados, com a humanidade – uma comunhão inevitável.
Nenhum homem é verdadeiramente vitorioso se sua vitória acarretar a derrota de
alguém. A única vitória humana é sobre a entropia da natureza – a vitória sobre
a morte.
O único modo de vencer o sofrimento é o da
Ressurreição. Aquele que usa o próprio sofrimento como fundamento de sua
Ressurreição acaba, com o tempo, não precisando sofrer; pois a Ressurreição é o
pleno viver da vida, a completa realização do potencial humano, a total
liberação de energia natural, à proporção que o homem trespassa a natureza e
dela volta a emergir.
Saber sofrer: eis a prova. Levar o sofrimento a
atender à finalidade da Ressurreição: eis a essência do viver espiritual no
homem individualizado. Usar a decepção, o medo e o fracasso como trampolins
para a imortalidade: esta é a antiga e eterna técnica que conduz à final
maestria. Para fazê-lo, o homem precisa assumir uma atitude corajosa em relação
ao fracasso, precisa fazer uma avaliação objetiva das causas do fracasso e
desprender-se emocionalmente do passado – qualquer passado.
Avaliação objetiva. Esta é a prova de visão e
entendimento; um fator, depois do outro, isolados, medidos e sopesados contra o
conjunto dos valores que a vida, a cultura, a sociedade e as palavras dos
homens inspirados por Deus, pronunciadas em séculos há muito passados,
apresentaram ao indivíduo desde o nascimento. O primeiro requisito é a
capacidade de ser objetivo em relação ao fator a avaliar. Isto quer dizer
separar-se desse fator; ficar só e não-identificado; romper um a um, ou num só
gesto largo, a grande infinidade de laços que nos prendem a consciência à coisa
nascida de nosso viver, como um rebento de nosso próprio ventre.
Mas não há que glorificar o sofrimento; ele deve ser
usado. Não se deve glorificar a morte; devemos trespassá-la com um sorriso. A
dor deve ser compreendida como um gesto protetor da vida; não só da vida do
corpo, porém, muito mais, da vida da psique.
A dor é a guardiã de nossos tesouros não descobertos.
Ela revela que nos desviamos da plenitude de nossa natureza potencial; que
estamos perdendo a substância de nosso ser interior, que somos gestores
ineficientes de nossas riquezas humanas.
O sofrimento não pode nunca ser um objetivo ou ter
valor em si mesmo. O sofrimento é um processo de compreensão consciente de
valor: é uma transição. O homem sofre por ser mais do que se acredita. O
sofrimento é a condição para romper a identificação do homem com o “menos”, à
medida que sobe em sua escalada para o “mais”. É a pressão de seu destino maior
sobre seu apego a metas inferiores. A não ser que, por meio do sofrimento, o
homem aprenda a separar totalmente sua consciência e seus sentimentos de seu
passado e do passado da humanidade, seu sofrimento não terá sentido.
E é preciso compreender o passado. Dele precisamos
desemaranhar a essência do “significado”. O homem que nunca olha para trás
ainda tem que entender a importância do tempo cíclico.
O poder precisa ser usado, ou sofreremos. Ele deve
ser usado “direito”, de acordo com seu caráter natural; do contrário,
experimentaremos dor. Por ser o homem espírito, e espírito significar
consciência, o poder e bem assim os mecanismos de sua liberação devem ser
compreendidos com uma consciência objetiva clara. Só “compreendemos” o poder
submetidos à pressão de seus possíveis efeitos. Ele deve aceitar a plena
responsabilidade por essa liberação. Tudo isso junto significa sofrimento e
dor, enfermidade e morte inclemente.
Será que o homem, desalentado pela monstruosa morte
que produziu, vai desistir com adolescente angústia de singrar o mar
desconhecido desse novo poder e procurar irracionalmente regressar ao encanto,
à cultura e à paz de uma era a que a nova liberação de poder violentamente pôs
fim? Acaso lamentará o passado e se entregará aos fantasmas desse passado, tão
belo é ele em seu leito de morte? Ou, após um derradeiro olhar de suprema
perceptividade, cortará com um corajoso golpe de espada o cabo que firma o vaso
de sua alma e se lançará sobre a vasta expansão de um mundo de energias
incógnitas – do qual o poder nuclear é presumivelmente apenas o limiar.
Sofrimento, dor e morte – porque isto é uma
transição. A substância deles todos é a dor; e no homem, o consciente e o
compreendedor é o sofrimento. O sofrimento só pode cessar com a Ressurreição,
em qualquer homem verdadeiramente humano. Pois ser homem é ser incessantemente
mais do que se é. Até que o indivíduo se torne Homem. Até que todos os homens
vitoriosos, tendo aprendido a usar corretamente, em sua plenitude, o poder que
lhes pertence em Deus, já não necessitem mais sofrer.
Tríptico
Astrológico, D. R.
Alisson Batista
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