O nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli. Fonte: GalleryHip. |
Quem não afirma amar? Mas o amor, em toda a nossa
cultura cristã que se esforçou por alcançar objetivos extraterrenos e procurou
negar a “boa Terra”, este amor assumiu o caráter ideal de sentimento
transcendente, em vez do de produtividade e atividade radiante.
A primeira grande prova da vida espiritual é o
isolamento. Nascimento é isolamento. Todas as grandes coisas começam no
isolamento. Mas só podem madurar através da mutualidade. Identidade é
unicidade; amor é comunhão cooperativa. Esses são os dois pólos do
desenvolvimento humano. Aquilo que começa em ego deve compreender-se e
efetivar-se em mutualidade e em amor. O amor não é basicamente um sentimento;
ele é a semente da mutualidade. Ele é a visão do “um ao outro” para o “um”, a
anunciação da atividade em comum.
Mas não só em comum, e sim em mútuo intercâmbio. Onde
não há intercâmbio, inter-relação, reciprocidade, só pode haver a sombra do
amor. Amor unilateral não é amor. O amor é ação mútua; e o “sentimento” maduro
de amor, essa prodigiosa essência de fogo e luz, nasce da mutualidade, da
comunhão, da reciprocidade.
O vocábulo “mútuo” vem do latim muto, que significa “mudar”. A etimologia, aqui
como em tantos outros casos, revela o núcleo do mistério. No domínio da relação
há mudança constante. Há mudança porque há inevitável mutualidade. Cada qual
atua sobre o outro, à proporção que reage ao outro.
A mutualidade é mudança que torna à sua fonte depois
de ter participado da vida universal: não só o intercâmbio de amores imersos em
relacionamentos e levados de um lado para outro por ondas de fusões
apaixonadas, mas a grande representação da mudança universal em que cada um se
torna todos, de modo que o todo possa focalizar-se em cada um.
Essa mutualidade é um fato universal; ninguém pode
escapar à volta da maré, se se aventurou a singrar o mar da ação. O horizonte
da maioria dos homens é tão exíguo que a onde que os lançaem estupor sobre a
rocha de sua existência separada parece um impulso de nenhures. Se tão-somente
eles pudessem ver, longe, na distância abissal, a reação disto, oriunda de uma
direção originalmente oposta, saberiam que o golpe que lhes derruba a orgulhosa
singularidade é filho da relação não vivida dos gestos que eles mesmos
projetaram num espaço que acreditavam apenas passivamente receptivo.
O espaço não é uma receptividade vazia, um vaso sem
fundo; espaço é mutualidade. É, de fato, a substância da relação total e
universal. Tudo que é atirado ao espaço retorna acrescido de todo o mundo, como
uma caixa de ressonância acrescenta sons harmônicos a qualquer som original.
Cada nota ferida ressoa enriquecida de múltiplas ressonâncias. Cada corda da
harpa universal evoca uma ressonância em cada outra corda. Para o ego preso,
isto é karma. Para o sábio, é amor.
A Harmonia é a efulgência do amor; a substância da
mutualidade. Harmonia é o “tornar-se um” dentro do ato de participação no Todo.
Experimentar verdadeira Harmonia é enredar-se conscientemente na inteireza do
Todo. O Todo envolve você; sua atividade, o Todo. Isto é participação real,
ilimitada participação – uma corrente que não para em parte alguma, porque
retorna a toda parte. O Todo flui para a parte; a parte “ama”, à medida que
focalia o Todo-em-ato em nome e justamente com todas as outras partes que
partilham o ato e o amor. Cada parte está unida com todas as outras através
daquilo que a torna distinta das demais.
Amar é bendizer a mudança com a compreensão da
eternidade abrangente. É participar alegremente da Harmonia em que todos os eus
se tornam o que são por ressoarem àquilo que tudo é, enquanto demonstram, na
mais extrema distinção, aquela verdade, aquela identidade e aquela chama que
constituem seu quinhão de responsabilidade dentro do Todo universal. O amor
estabelece esse quinhão; Deus, a responsabilidade. O homem se torna
verdadeiramente homem à medida que compreende a ambos, que a ambos cumpre nessa
reciprocidade de ser que constantemente renova e proclama a fundação comum de
toda atividade e de toda consciência.
É a ânsia mais pungente do homem, a ânsia de amar.
Disse Jesus: “Amai-vos uns aos outros.” E suas palavras elevaram-se até as
estrelas. E as estrelas cantaram de alegria; elas, que eternamente se movem
através dos espaços e do tempo incessantemente; que circulam em companhia e
mutualidade com a luz, sós mas em paz, naquela Harmonia das Esferas que os
homens que amam nobremente, com respeito e alegria, experimentam como Deus.
Tríptico Astrológico, D. R.
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