Estátua de Júpiter. Fonte: Asztronostra. |
Reconversão
No homem comum, que só superficial e hesitantemente é
um “indivíduo”, e cujo comportamento, sentimentos e pensamentos são, em grande
parte, controlados pelas compulsões inconscientes dos instintos genéricos,
pelas tradições coletivas e pelas emoções de massa, a personalidade é um
produto final. Ela representa o florescimento de uma sociedade e de uma
cultura, de uma certa ancestralidade e de um ambiente específico; e como tal,
ele depende, para sua energia e mais ainda para seus motivos e metas, de
fatores fundamentais dentro da vida da coletividade humana da qual constitui
uma expressão diferenciada. A personalidade do homem que é parte integrante de
sua sociedade e de seu grupo cultural ou de sua classe, e que se sente –
consciente ou inconscientemente – enraizado em sua coletividade, é
fundamentalmente semelhante à obra de arte de um gênio criador; e o criador, no
caso, é a coletividade.
O direito e o poder de participar da obra da
civilização como pessoa (ou “personagem”) ativada pelo espírito e iluminada
pela Estrela só os adquire o homem que libertou sua consciência dos modelos e
impulsos coletivos, e que, desse modo, se tornou, ao menos por algum tempo, um
indivíduo “isolado”. Reorientação, repolarização, reavaliação implicam esse
estágio de “isolamento”; mas o isolamento não significa, para nós os modernos,
sair a meditar, à maneira iogue, embrenhando-se numa floresta e “longe de
tudo”. Refere-se a uma mudança de consciência, que pode ocorrer bem no meio de
uma grande multidão – conquanto o isolamento pode tornar o processo, durante
certo tempo, muito mais fácil.
Quando pelo menos a tentativa desse processo é
completada, a personalidade do homem que sofreu a metamorfose é basicamente
diversa da do homem ordinário. É mais “semente” do que “flor”. Toda polarização
da semente está voltada para o futuro. À medida que cresce dentro da flor, ela
leva não só essa flor como toda planta efêmera a morrer. Analogamente, o
aparecimento de certo tipo de indivíduos, altamente individualizados e
iluminados pelo espírito numa sociedade, revela o fato de que essa sociedade
alcançou seu ápice como organismo cultural de origem terrestre.
A obra ou função da nova personalidade não é a de perpetuar
ou provocar o florescimento da sociedade e da cultura que condicionou o
desenvolvimento da velha personalidade; mas, isto sim, lançar as bases de uma
nova sociedade e cultura que aparecerá no devido tempo.
Uma religião e um certo tipo de organização social
constituem a base dupla sobre a qual se desenvolve uma cultura. Ambas
representam a resposta coletiva de um grupo de homens aos desafios básicos de
seu ambiente terrestre; e essa resposta revela o modo de operar da função de
Júpiter, dentro da comunidade e em todos os homens e mulheres que participam de
uma atividade essencialmente coletiva. Mas, quando o homem se torna um
indivíduo relativamente isolado e desenraizado, preocupado em exprimir seu ego
e seu ponto de vista diferenciado (ou sua “singularidade”) ele volta as costas
para os impulsos jupiterianos em sua personalidade – e quanto mais o faz, tanto
mais isolado e singular ele se sente.
Então, as energias genéricas da natureza humana e os
poderes culturais de sua sociedade se tornam convertidos a seu propósito egocêntrico. Eles lhe
alimentam a autoexpressão; ou então sua revolta contra eles lhe dá um estímulo
emocional expendido no repúdio a eles. O iconoclasta ou revolucionário social
usa a função de Júpiter de um modo negativo. Nele, os fatores jupiterianos se
tornam “alcoólicos”; isto é, seu senso social e sua fé religiosa fermentam e se
desintegram. A energia que lhe sustinha a vida normal como homem da
coletividade é agora convertida para a produção da guerra – a guerra que ele,
como um ego, move contra uma sociedade, uma religião e uma cultura que se
tornaram suas inimigas. Quando essa guerra deixa de ocupar a consciência do
homem que passou pela crise da metamorfose do ego (ou por uma “catarse”) é
necessário passar por um processo de reconversão.
A única coisa possível a uma semente é germinar e
transformar-se, desse modo, numa nova planta com raíz e haste próprias – com a
chegada da primavera! Para tanto, a semente precisa tornar-se um agente da vida
da espécie como um todo.
Cada indivíduo que se tornou livre da escravização
inconsciente e compulsiva a sua raça e sociedade é como uma semente; mas uma
semente plenamente consciente, individualizada e exclusiva em sua Identidade
imortal. No entanto, todos esses indivíduos sui-generis participam de uma comunidade espiritual, estejam claramente
conscientes disto ou não; assim como as estrelas são unidades radiantes dentro
da Galáxia, ou, no simbolismo astrológico, dentro de uma Constelação.
A principal dificuldade no estágio inicial dessa obra
é que o indivíduo tem de planejar de novo uma rota para uma meta, cujo caráter
preciso ele ainda não pode compreender com clareza; enquanto que a força de
hábitos e a tendência ao automatismo e à atuação rotineira ao longo de
diretrizes que já se revelaram, se não seguras, pelo menos familiares em todos
os aspectos, são ainda muito fortes.
Visão, entendimento, o registro raramente claro das
experiências de alguns poucos indivíduos que enfrentaram os mesmos problemas, e
acima de tudo fé, são os únicos engenheiros que podem reedificar os
instrumentos da personalidade, adaptando-os ao que se percebe como sendo
necessidades novas. A nova energia, representada por uma transcendente função
de Marte, está disponível; no entanto, parece haver obstáculos infindos a seu
uso eficaz – e talvez seguro. A principal dificuldade é a infamiliaridade e a
falta de precedentes. É preciso improvisação a cada passo – e a quase
inevitável consequência disso é a tensão pela preocupação com os resultados,
excessiva focalização da atenção e a incapacidade de deixar as coisas
acontecerem por si.
Sob a camada de problemas superficiais, e sua causa
básica, jaz o fato de que todo significado e propósito da personalidade
precisam ser totalmente renovados. A personalidade – repito – não deve mais ser
a eflorescência de uma tradição coletiva ou cultural enraizada em atitudes
instintivas e inconscientes; nem pode durar significativamente com base numa
rebeldia egocêntrica e em arrogante autoexpressão.
O que fazer então? Apenas uma coisa: reconverter a
personalidade como instrumento da operação do espírito. A evolução humana é
sempre uma série de passos para diante. O espírito é aquele que instiga para a
frente, que propõe novas soluções para novas necessidades, ou para velhas necessidades
ainda por resolver.
Nossa tarefa é executar esse trabalho, como “filhos”
de nossa Estrela-Pai; e só o poderemos fazer na proporção em que reconvertemos
nossa personalidade de modo a dar-lhe novos usos e novos propósitos – e na
medida em que o fizermos de forma total e absoluta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Você pode construir ou destruir com o uso da palavra. Pense em sua responsabilidade individual ao utilizá-la.