Ilustração de Saturno. Fonte: Pinterest, de Cuz-William Castillo. |
O
simbolismo da cor Preto
Simbolicamente, é com mais frequência compreendido
sob seu aspecto frio, negativo. Cor oposta a todas as cores, é associada às
trevas primordiais, ao indiferenciamento original.
Conforme os povos localizem seu inferno e o mundo
subterrâneo no Norte ou no Sul, uma ou outra dessas direções é considerada
preta. Instalado, portanto, embaixo do mundo, o preto exprime a passividade
absoluta, o estado de morte concluído e invariante, entre estas duas noites
brancas, em que se efetuam, sobre seus
flancos, as passagens da noite ao dia e do dia à noite.
O preto é cor de luto; não como o branco, mas de uma
maneira mais opressiva. O luto branco tem alguma coisa de messiânico. Indica
uma ausência destinada a ser preenchida, uma falta provisória. O luto preto, por
sua vez, é, poder-se-ia dizer, o luto sem esperança. Como um
nada sem possibilidades, como um nada morto depois da morte do Sol, como um
silêncio eterno, sem futuro, sem nem mesmo a esperança de um futuro, ressoa
interiormente o preto, escreve Kandinsky.
O luto negro é a perda definitiva, a queda sem retorno no Nada: o Adão e a Eva
do Zoroastrismo, enganados por Arimã, vestem-se de preto, quando são expulsos
do Paraíso.
Cor da condenação, o preto torna-se também a cor da
renúncia à vaidade deste mundo, daí os mantos pretos que constituem uma
proclamação de fé no cristianismo e o Islã: o manto preto dos mawlawyyas – os
dervixes rodopiantes – representa a pedra sepulcral. Quando o iniciado o tira
para começar sua dança giratória, aparece vestido com uma roupa branca que
simboliza seu renascimento no divino, isto é, na Realidade Verdadeira: entrementes
as trombetas do julgamento soaram.
No Egito, segundo Horapollon, uma pomba
preta era o hieróglifo da mulher que permanece viúva até sua morte. Esta pomba preta pode ser considerada como
um eros frustrado, a vida negada. Conhece-se a fatalidade manifestada pelo
navio de velas negras, desde a epopeia grega até a de Tristão.
Mas o mundo ctônico, o subterrâneo da realidade
aparente, é também o ventre da terra, onde se efetua a regeneração do mundo
diurno. Se é preto como as águas profundas, é também porque contém o capital de
vida latente, porque é o grande reservatório de todas as coisas: Homero vê o
oceano como preto. As Grandes Deusas da Fertilidade, essas velhas deusas-mães,
são com frequência pretas em virtude de sua origem ctônica: as Virgens negras
acompanham assim as Ísis, as Áton, as Deméter e as Cibele, as Afrodite negras.
As cores de A Morte, Arcano 13 do Tarô, são
significativas. Essa morte iniciatória, prelúdio de um verdadeiro nascimento,
ceifa a paisagem da realidade aparente – paisagem das ilusões perecíveis – com
uma foice vermelha, enquanto que a própria paisagem está pintada de preto. O
instrumento da morte representa a força vital, e sua vítima, o nada; ceifando a
vida ilusória, o Arcano 13 prepara o acesso à vida real. O simbolismo do número
confirma aqui o da cor; 13, que sucede a 12, número do ciclo terminado,
introduz uma nova partida, fomenta uma renovação.
Na linguagem heráldica, a cor preta é chamada sable (palavra francesa que significa “areia”). O
sable significa prudência, sabedoria
e constância na tristeza e nas adversidades. Esse preto, segundo o pensamento
de Mevlana, é a cor absoluta, a conclusão de todas as outras cores, superadas
como tantos degraus, para se atingir o estado supremo do êxtase, onde a
Divindade aparece ao místico e o ofusca.
Mas o preto é também a terra fértil, receptáculo do “se o grão não morrer” do Evangelho, esta terra que contém os
túmulos, tornando-se assim a morada dos mortos e preparando o seu renascimento.
É por isso que as cerimônias do culto de Plutão, Deus dos Infernos,
compreendiam sacrifício de animais pretos, ornados com tirinhas da mesma cor.
Esses sacrifícios só podiam ser feitos nas trevas, e a cabeça da vítima devia
estar virada para a terra.
O preto evoca também as profundezas abissais, os precipícios oceânicos (num mar sem fundo, numa noite
sem lua), o que levava os antigos a sacrificar touros negros a Netuno.
Enquanto evocador do nada e do caos, isto é, da
confusão e da desordem, o preto é a obscuridade das origens; precede a criação em todas as religiões.
Para a Bíblia, antes que a luz existisse, a terra era informe e vazia,
as trevas recobriam a face do Abismo.
Para a mitologia greco-latina, o estado primordial do mundo era o Caos. O Caos
engendrou a Noite que se casou com seu irmão Érebo: tiveram um filho, o Éter.
Assim, através da Noite e do Caos, começa a penetrar a luz e a criação: o Éter.
Mas, entrementes, a Noite havia engendrado, além do Sono e da Morte, todas as
misérias do mundo, como a pobreza, a doença, a velhice, etc.
O preto, como cor indicativa da melancolia, do
pessimismo, da aflição ou da infelicidade, reaparece a todo minuto na linguagem
cotidiana (pensamentos sombrios, ideias negras, humor negro). Os estudantes
ingleses chamam de Black Monday a segunda-feira em que recomeçam as aulas, e os
romanos marcavam com uma pedra preta os dias nefastos.
Enquanto imagem da morte, da terra, da sepultura, da travessia
noturna dos místicos, o Preto está também
ligado à promessa de uma vida renovada,
assim como a noite contém a promessa de aurora, e o inverno a da primavera.
Sabemos, além disso, que, na maioria dos Mistérios antigos, o participante
devia passar por certas provas à noite ou submeter-se aos ritos num subterrâneo
obscuro. Assim também, hoje em dia, os religiosos e religiosas morrem para o
mundo num claustro.
Do ponto de vista da análise psicológica, nos sonhos
diurnos ou noturnos, bem como nas percepções sensíveis no estado de vigília, o
preto é considerado como a ausência de toda cor, de toda luz. O preto absorve a
luz e não a restitui. Evoca, antes de tudo, o caos, o nada, o céu noturno, as trevas
terrestres da noite, o mal, a angústia,
o inconsciente e a Morte.
Nos sonhos, a aparição de animais pretos, de negros
ou de outras personagens escuras mostra que entramos em contato com nosso
próprio Universo instintivo primitivo que é preciso esclarecer, domesticar e cujas forças devemos canalizar
para objetivos mais elevados.
Dicionário de Símbolos, J. C. & A. G.
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