Anéis de Saturno. Fonte: Daily Mail Online. |
O
planeta Saturno
Ao serem avistados pela primeira vez através de um
telescópio de fundo de quintal, Saturno e seus anéis, mais do que qualquer
outro ícone ultramundano, podem facilmente fazer de um observador desavisado um
astrônomo para sempre.
O espetacular sistema saturnal de anéis abrange um
disco que mede 290 mil quilômetros de uma extremidade (ou ansa – asa, alça) a
outra, equivalente à distância da Terra à Lua. No entanto, a espessura média de
um anel não é superior à altura de um edifício de trinta andares. Os astrônomos
que tentavam descrever esse intraduzível achatamento recorriam a metáforas como
panquecas e discos fonográficos, até que se decidiu usar a analogia de uma
folha de cartolina do tamanho de um estádio de futebol. (Desde então, medições
mais precisas levaram à substituição da cartolina por papel de seda).
Acredita-se que todos os elementos constitutivos dos
anéis, desde minúsculos grânulos de pó até matacões do tamanho de uma casa,
sejam no mínimo recobertos de gelo – isto é, se não forem compostos
inteiramente de água congelada. Saturno em si, por outro lado, é um gigante
gasoso à maneira de Júpiter, constituído de hidrogênio e hélio, só que menor,
mais mortiço e duas vezes mais afastado do Sol. Sem o seu entorno de cristais
de gelo e flocos e bolas de neve de todos os tamanhos, Saturno dificilmente
deslumbraria observadores a mais de 1 bilhão de quilômetros de distância.
Em maio de 1919, os anéis estavam com a face
inclinada em direção à Terra, o que muito beneficiava Saturno artisticamente. Contudo,
de quinze em quinze anos, mais ou menos, ou duas vezes durante a translação de
29,5 anos do astro em torno do Sol, eles viram de quina para os admiradores
terrestres, encobrindo quase toda a sua cativante luminosidade. Esses
desaparecimentos periódicos desconcertavam os primeiros observadores dos anéis,
pois, mesmo ao telescópio, tudo o que se vê deles nessas ocasiões é uma fina
sombra em torno do globo amarelado do planeta.
Galileu, o primeiro a visualizar protuberâncias laterais em Saturno em julho de 1610, interpretou erroneamente as saliências como uma dupla de “companheiros” próximos, que não se moviam como os satélites de Júpiter, mas abraçavam os flancos do planeta, dando-lhe uma aparência “tricorpórea”. Ele continuou monitorando o astro nos dois anos seguintes e, no final de 1612, confessou-se perplexo ao ver Saturno subitamente solitário e circular, abandonado por seus antigos parceiros. “O que se pode dizer de tão estranha metamorfose?”, escreveu a um colega filósofo. Poderia o planeta Saturno, à maneira de seu homônimo mitológico, ter “devorado os próprios filhos”?
Systema Saturnium, de Christiaan Huygens. Fonte: Surveyor in Berlin. |
Galileu previu que os companheiros retornariam e,
quando isso de fato aconteceu, eles tinham se modificado bastante. Em 1616,
afirmou que pareciam um par de alças e, mais tarde, comparou-os com orelhas,
mas nunca chegou a entender a natureza fantástica da verdadeira identidade dos
anéis. Somente em 1656 o astrônomo holandês Christiaan Huygens atribuiu o
formato mutante de Saturno à existência de “um anel largo e achatado, sem ponto
de contato, inclinado em relação à eclíptica”. Em 1659, Huygens publicou uma
explicação completa em seu livro Systema Saturnium.
Huygens sempre se referiu ao “anel de Saturno” como
uma única entidade sólida, o que foi aceito até 1675, quando Jean-Dominique
Cassini, diretor do Observatório de Paris, detectou uma linha divisória escura
que demarcava o anel em duas faixas concêntricas, que denominou “A” (a externa)
e “B” (a interna, mais brilhante). Dois séculos se passaram antes que fosse
acrescentado um terceiro segmento – o esmaecido anel “C”, interno, descoberto
em 1850 –, embora ninguém pudesse dizer como ou do que os anéis eram efeitos.
Havia discussões aguerridas sobre a estrutura dos anéis e as opiniões variavam
desde lâminas sólidas e chusmas de pequenos satélites até rios de líquido
orbitante e exalações de vapores planetários.
“Encontrei muitas brechas no anel sólido”, jactou-se
o jovem escocês James Clerk Maxwell em 1857 em meio a cálculos matemáticos, “e
agora estou mergulado no anel fluido, em meio a um embate verdadeiramente
assombroso de símbolos”. Convencido de que a gravidade de Saturno despedaçaria
uma construção sólida de tal dimensão, Maxwell inferiu que os anéis deveriam
ser uma profusão de partículas isoladas tão numerosas que criavam ilusão de
solidez à distância. Cada partícula teria forçosamente de seguir uma órbita
própria em conformidade com as leis de Kepler, ou seja, as partículas mais
distantes do planeta se moveriam mais devagar e as mais próximas mais depressa,
do mesmo modo como o próprio Saturno avança laboriosamente em torno do Sol se
comparado com o passo acelerado de Mercúrio. (Estarrece a imaginação pensar nas
melodias que Kepler teria extraído dessa enxurrada de astros!)
No interior de cada um desses anéis apinhados de
partículas, cada uma delas está constantemente empurrando e sendo empurradas
por suas vizinhas, e cada solavanco lança-as em órbitas mais largas ou
estreitas dependendo da troca de energia e momento. Essas microcolisões também
lançam as partículas para cima ou para baixo do plano achatado dos anéis, mas os
corpúsculos extraviados são logo arrebanhados de volta.
Desde 1966, quatro outros anéis – designados de D a G – foram acrescentados aos clássicos A, B e C. (Enquanto grupo, suas posições em relação a Saturno – D, C, B, A, F, G, E, de dentro para fora – escarnecem da ordem alfabética de suas descobertas.) Cada região designada por uma letra distingue-se das demais por pequenas variações de cor e brilho, pela densidade das partículas ou por um formato peculiar. Quando vistos da perspectiva privilegiada de uma espaçonave visitante, cada segmento se decompõe numa miríade de delgados microanéis, separados por um número equivalente de microlacunas, sob a vigilância de microssatélites incrustados.
Ciclo do planeta Saturno. Fonte: Hub pages. |
O sistema de anéis provavelmente se formou pela
desintegração de uma lua congelada, ou talvez de um planetóide capturado, com
cerca de cem quilômetros de diâmetro. Esse desafortunado astro, destruído há
algumas centenas de milhões de anos, talvez esteja tentando se reconstituir na
órbita de Saturno, pois, à medida que suas partículas se atraem e se apegam
gravitacionalmente umas às outras, vão formando aglomerados que, por sua vez,
atraem outras partículas para continuarem crescendo. No entanto, isso só se dá
até certo ponto. Qualquer corpo anelar acrecionário que exceda determinados
limites de tamanho volta a ser despedaçado pelas forças de maré de Saturno.
Assim, os fragmentos dispersos parecem destinados a jamais se aglutinarem num
único satélite outra vez.
Em Saturno, os anéis são mais contíguos e ocupam uma
região de fragmentação perpétua conhecida como Zona de Roche (em homenagem a
Edouard Roche, astrônomo francês do século XIX que calculou as distâncias
seguras para satélites planetários). Todas as luas maiores de Saturno estão bem
além do limite de Roche e fora do perímetro dos anéis. Entretanto, a família
estendida de Saturno (no mínimo 34 luas, segundo a última contagem) inclui
vários membros menores dentro e em meio aos anéis, que contribuem para esculpir
as suas complexidades. O anel F, por exemplo, deve seu contorno particularmente
retorcido e estreito à ação de duas pequenas luas adjacentes, uma das quais se
move rapidamente pelo lado interno enquanto a outra percorre a face externa.
Juntas, atuam como satélites “pastores”, arrebanhando em ondulações, nós,
tranças e carapinhas as multidões de partículas existentes entre ambas.
Os anéis também reverberam ao ritmo do campo
magnético de Saturno, que é gerado no interior de hidrogênio metálico líquido
do planeta. Em compasso com a rotação de Saturno – em alta velocidade, portanto
–, o campo magnético perfaz um giro completo a cada 10,2 horas. Como resultado,
as partículas do anel B que se movem na mesma velocidade, ou duas vezes mais
devagar ou mais depressa, são arrancadas de suas órbitas.
Saturno reinou como o único astro anelado por
trezentos anos, até que descobertas nas décadas de 1970 e 1980 mostraram que
todos os planetas gigantes têm algum tipo de anel. Júpiter possui anéis tênues,
transparentes, diáfanos, formados de flocos refugados de diversas pequenas
luas. Urano possui nove anéis escuros e estreitos, de bordas bem nítidas,
contidos por satélites pastores. E os cinco débeis e poeirentos anéis de Netuno
têm espessuras tão irregulares que algumas seções se afilam quase a zero, dando
a impressão de arcos anelares parciais. Porém, nenhum desses sistemas
recém-identificados pode realmente competir com os anéis barrocos, quase
rococó, de Saturno. Cada um deles retrata um único matiz da dinâmica anelar,
algum fenômeno presente também em Saturno, onde acabam sendo acabrunhados pela
quantidade de variações e ornamentos lá existentes.
Todos os anéis mudam constantemente devido a
sucessivas ondas de construção e desconstrução. São os mesmos anéis de um ano
para outro – e, todavia, não o são, pois, à medida que se puem e desgastam pelo
atrito de colisões internas, novas infusões de poeira lunar e meteoritos
cadentes reabastecem suas provisões de partículas.
Cada sistema de anéis, produto da gravidade e da
harmonia, sugere um modelo de concepção cósmica. Os anéis rememoram o
nascimento de nossa família de planetas, que surgiu 5 bilhões de anos atrás de
um disco achatado girando em torno do Sol neonato. Hoje também encontramos ecos
de anéis nos chamados discos protoplanetários que foram divisados em torno de
algumas jovens estrelas distantes, onde matérias-primas de gás e pó estão se
unindo para sintetizar novos mundos. Os anéis de Saturno constituem, pois, um
elo entre o nosso Sistema Solar e outros sistemas extra-solares em formação – e
entre o Sistema Solar do presente e o seu passado remoto.
Os Planetas, D. S.
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