sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A QUÍMICA DO SIGNO DE ESCORPIÃO VIII


Fonte: August McLaughlin´s Blog.

Imortalidade pessoal

A experiência da morte deve sobrevir a todo indivíduo.

Morrer em plena e lúcida consciência; conservar durante todo esse morrer uma percepção objetiva do processo de abandono das estruturas biopsíquicas que até então condicionaram a experiência; entrar deliberadamente no que para outros seres humanos parece, ao menos temporariamente, escuridão e perda de identidade.

A morte não precisa ser aterradora para ninguém que entenda a natureza e o caráter do ego, sua formação e seu propósito. O que tem começo precisa necessariamente ter um fim num universo em que todos os movimentos são cíclicos. Mas nenhum indivíduo precisa identificar seu ser essencial com qualquer início particular; e, portanto, ninguém precisa perder a própria identidade através do fim correspondente.

A compreensão da morte subentende uma igual compreensão do nascimento. Aquele que sabe como e por que qualquer coisa começa sabe também como e por que termina: e, sabendo-o, pode transformar esse fim num novo e maior começo. Esse é o segredo da “imortalidade pessoal”. A morte, porém, não constitui um acontecimento simples ou exclusivo, porque o homem consciente e individualizado não é apenas uma coisa. A formação de seu ego é um processo distinto da geração de seu organismo físico; e quando entidades têm diferentes começos, elas têm que ter, igualmente, diferentes fins. E “fim” não precisa significar cessação e aniquilamento; pode significar trânsito e reorganização.

Um processo não de todo diferente deve operar no caso do ego, que é uma estrutura de elementos psíquicos e mentais diferenciados ao longo dos anos de formação da vida e da personalidade. Esses elementos psico-mentais não vêm do nada. Eles são, na verdade, o resultado da evolução genérica da humanidade e da safra coletiva de imagens-sentimento, significados, conceitos, ideais e propósitos produzidos por uma sociedade, por uma cultura, por uma comunidade. Esse mar psicomental coletivo de valores humanos é não só uma vasta coleção de imagens e de ideias; é também um vasto reservatório de energia – energia humana num estado coletivo não-individualizado, energia psicomental. Uma pessoa individual depende desse reservatório para dar substância ao seu ego cujo processo de formação e diferenciação é lento. A consciência individualizada que dá forma e substância à compreensão “eu sou esta pessoa específica” emerge aos poucos da mente da humanidade como um todo que se desenvolve coletivamente.

A morte leva, com o tempo, à vitória final da mente coletiva sobre o ego consciente – à reabsorção deste último naquela. Mas esse não é um fim absolutamente inevitável do processo individualizador de formação do ego dentro do âmbito de vida de uma personalidade. Se essa personalidade desenvolveu estruturas de ego nítidas através de comportamento e pensamento significativos e pessoalmente criativos, essas estruturas podem transformar-se no foco para a incorporação do Ser-Estrela; e quando isso ocorre, o poder dessa incorporação pode vencer o impulso inevitável rumo à reabsorção no oceano psíquico e mental da humanidade coletiva. Ele escapa à voragem das forças desintegradoras e permanece sendo um foco de consciência individual, que agora serve ao propósito de um ser maior – o “Ele” que se transformou em “Eu”. Isso é o que se tem chamado de “imortalidade pessoal”.


A pessoa comum de nossa atual humanidade morre todas as noites como indivíduo. Ela deixa a natureza humana e as energias coletivas de sua comunidade assumirem o controle de seus instrumentos físicos e psíquicos para a ação. Esse controle do inconsciente coletivo sobre os mecanismos da consciência se manifesta, em geral, naquilo que chamamos de “sonhos”. A voz da sabedoria coletiva da raça e da cultura maternas fala, na linguagem habitualmente confusa das imagens oníricas, à criança-ego desobediente que tem afirmado de formas demasiado excêntricas, excessivamente diferenciadas, e portanto perigosas, sua vontade de ser um indivíduo exclusivo e original. É uma voz normativa, que procura compensar as anormalidades da existência humana individualizada, especialmente em nosso artificial ambiente citadino. É a voz das “raízes” da existência humana; um poder conservador que acentua não os novos caminhos da evolução mas sim a velha sabedoria da experiência coletiva e da idade; a trilha segura da tradição longuissimamente experimentada e do viver salutar.

Esta “descida às raízes” da humanidade, feita no encerrar da atividades do dia e, mais conclusivamente, no fim do ciclo de vida de um corpo objetivo de subsâncias terrenas, exprime-se no simbolismo astrológico de Plutão. Donde ter sido Plutão associado à ideia de morte; como deveria, igualmente, associar-se ao ato de conciliar o sono. Plutão deve, com efeito, ser entendido como o poder que compele toas as individualizações separadas (egos, entidades nacionais, culturas específicas, etc.) a tornar a suas raízes coletivas ou aos fundamentos de seu ser.

O “inferno” é a marca de todo o mal humano do passado impressa na memória coletiva da Mente do Homem. Enfrentá-lo e não naufragar no pavor é o preço final a pagar pela imortalidade pessoal. Esse confronto é a derradeira experiência plutoniana.

Sempre que um ciclo humano termina, há algo que nasce nesse e desse ciclo e que tem a potencialidade de se transformar em organismo imortal, amealhando tudo quanto houve de espiritual nesse ciclo e reincorporando, sem ruptura de identidade consciente, a essência do ciclo num outro maior e mais universal. A potencialidade apenas; pois, salvo em bem raros casos, a confrontação plutoniana com o choque da morte e com o mal acumulado do passado esmiúça o sentido de identidade pessoal.

O homem “cai” no sono, um pouco como “cai” nas ciladas do amor e como “cai” nos infernos que invocou. Plutão signfica morte e perda de identidade consciente. Ele é o derradeiro Provador – não como Saturno, cujas provas dizem respeito às confrontações cotidianas da existência orgânica controlada pelo ego, mas num sentido muito, muito mais profundo. O que Plutão põe à prova é a capacidade em todo indivíduo de transferir seu sentido de identidade pessoal da esfera da objetividade terrena e das ligações biopsíquicas para aquela da atividade “celestial”.

Plutão guarda o caminho que leva pela morte inconsciente ou pela consciente Crucificação a algum gênero de reintegração celeste. Mas – ai de nós! – o caráter espantoso das confrontações que ele suscita como condições necessárias de reintegração no Ser consciente é tal que só pouquíssimos homens as podem enfrentar e, ao mesmo tempo, reter sua plena consciência individual e seu contato com a Estrela. A menos de se ter, em verdade, experimentado essa Estrela dentro do próprio ser, as provas plutonianas só poderão significar desintegração e morte inconsciente; já que, durante elas, as trevas do “inferno” desterram para longe todo o céu e as Estrelas que estão em cima. Mas, se a divina Presença permanecer vibrante dentro da alma temporariamente submersa no antigo mal, essa Presença poderá atuar como o núcleo do novo “Corpo de luz”, do celeste corpo, do Corpo-Cristo.

Depois, é a Ressurreição...

Tríptico Astrológico, D. R.

A QUÍMICA DO SIGNO DE ESCORPIÃO VII


Yama, Dharmaraja. Fonte: Himalayan Art.

Responsabilidade

O relacionamento humano estabelece um campo de responsabilidade para os que participam desse relacionamento.

A energia nasce do relacionamento. Ela é produzida ou liberada pela interação de correntes de desejo ou de compaixão que fluem das polaridades do Todo universal, bem como das que se encontram no interior dos corpos e das personalidades. Energia é relacionamento em ação. É o “fato” produzido pelo relacionamento. A atitude do homem para com esse fato – o uso que lhe dá – estabelece o caráter e a qualidade de sua participação na sociedade e no universo. A sociedade é o que o uso que ela dá à energia nascida do relacionamento humano a obriga a ser. No problema da propriedade pessoal, os dois pólos do relacionamento produtor de energia são o espírito humano individual e a riqueza coletiva da natureza e da sociedade. Nos problemas de responsabilidade, as duas polaridades envolvidas são dois seres humanos, os dois grupos que assumem o papel jurídico de pessoas.

Responsabilidade implica, na verdade, três fatores. Implica duas partes num relacionamento bipolar considerado dentro do quadro de referência de algum todo em que as duas pessoas participam, seja esse todo uma empresa comercial, uma igreja, uma nação ou todo o universo.

Ambas as partes no relacionamento são “responsáveis”, ainda que de diferentes modos. O gerente da corporação é responsável perante o proprietário ou a diretoria; mas a responsabilidade do proprietário para com o gerente é igualmente real. Ambos os tipos de responsabilidade têm além disso, significado fundamental, apenas com referência à corporação como um todo ou à comunidade social que inclui todos os participantes da empresa.

Responsabilidade é uma expressão de mutualidade no relacionamento; é o resultado inevitável dela. Atender à própria responsabilidade é ver o relacionamento mútuo de forma completa e acabada. Não há experiência completa ou sequer vital de relacionamento se a responsabilidade por seus produtos não for assumida e desempenhada; assim como não pode haver vida individual completa sem um pleno uso de posses naturais e sociais.

No centro de todo relacionamento está o princípio de polarização. Onde quer que dois elementos entrem em relação, um tipo ou outro de polarização se estabelece entre eles. Pode tratar-se do tipo de polarização elétrico, expresso em partículas atômicas como prótons e elétrons, ou o tipo biológico que se manifesta em fatores sexuais, ou o tipo social que se encontra sempre que líder e liderado, administrador e trabalhadores estão relacionados no trabalho produtivo ou na luta político-econômica. Todos esses tipos de polarização têm um caráter em comum; eles possibilitam mudança, transformação e progresso.

O sexo, por exemplo, é o fator produtor de variação em tudo quanto vive. Quando duas linhagens hereditárias se mesclam em fecundação sexual bipolar, cada qual dotada de um passado infinitamente complexo e abrangente, um “mistério” é posto em operação dinâmica. A novidade criativa do “momento” é expressa mediante a forma.


O Eterno Criativo atua através do sexo e, em variáveis graus, através de qualquer relacionamento polarizado, porque a união polar abre a porta para a nova variação – para o mistério.

Ser responsável é assumir o ônus de um novo nascimento, de uma nova aventura, de um novo fato. A responsabilidade recai sobre ambos os pais de uma criança; sobre os inventores de um novo processo e sobre os descobridores de uma nova verdade, mas também recai sobre a sociedade que lhes condicionou e definiu a oportunidade de inventar e descobrir por via de suas (dela sociedade) necessidades, desejos, expectativas, vícios e também virtudes.

Toda situação humana implica responsabilidade; ela revela ou oculta um relacionamento entre indivíduos ou grupos, e ninguém lhe pode fugir estando implicado no relacionamento – vale dizer, em última análise, todo ser humano que já existiu ou que venha algum dia a existir. Toda situação humana constitui um desafio inescapável à renovação e à criatividade humana. Todo ato de viver entre os homens, ou mesmo no universo, envolve responsabilidade de quem quer que pratique um ato; e recusar-se a agir equivale apenas a agir negativamente. O mal nasce da recusa à responsabilidade. Todo homem é responsável pelo mal quando deixa de assumir a responsabilidade de qualquer situação e de qualquer relacionamento de que foi e é participante.

Todo indivíduo arca com os pecados de toda a humanidade, pois está sempre e eternamente enredado em tudo quanto é humano e implicado em todos os nascimentos e em todos os abortos.

Quando um momento de tempo é deixado inexpresso pelo espírito vivente no homem, esse espírito deve tornar-se escravo de mais tempo. Criar é responsabilidade incessante do espírito corporificado no homem e através dele, porquanto a criação é simplesmente o cumprimento, por parte do espírito, da potencialidade inerente a cada momento de tempo. O tempo é a compaixão de Deus pelo caos: e o homem é a agência através da qual essa compaixão deve operar em termos de atos criativos.

A responsabilidade não é só do indivíduo; nem só da coletividade. Ela nasce do relacionamento; é a efetivação do relacionamento dentro de um todo maior de vida em que participam aqueles que estão relacionados.

Por esse motivo, o amor de homem e mulher não só mistura suas energias e suas almas. Relaciona-os também à comunidade e ao universo. Por isso, nenhuma corporação que entreteça as atividades de administradores e empregados num contexto de produção pode permanecer independente e isolada na sociedade; ela é responsável perante a sociedade e co-responsável com ela. Sempre e em toda parte a mutualidade é a tônica; e a mutualidade se demonstra assumindo-se responsabilidades conjuntamente e delas se desincumbindo com alegria. Sua significação assim desabrocha.

Tríptico Astrológico, D. R.

A QUÍMICA DO SIGNO DE ESCORPIÃO VI


Phoenix Soul, de Clinton Kun. Fonte: Devian Art.

Não identificação

Chega um momento na vida de qualquer um em que o indivíduo anseia ardentemente identificar-se com a pessoa amada, e com a comunhão que brota de um relacionamento estável, e é mantida pelo sentimento de grupo.

O desejo agora é de ser mais que um, tornando-se diferente do que se é. É de perder o próprio isolamento e mesclar-se com outros: alienar a própria mente em favor do todo e fundir-se na unidade das almas; desistir dos próprios sonhos e inflamar-se com uma visão Eucarística – são, todos esses, sintomas da paixão de identificação que acomete todo indivíduo na esteira de alguma metamorfose crucial.

Em sua forma mais simples e primordial, esse grande anseio de identificação é conhecido como impulso sexual – e, desse modo, o signo zodiacal de Escorpião tem sido tradicionalmente associado a esta atividade básica da experiência humana. Mas o sexo – em seu aspecto consciente e humano – é só a mais elementar das manifestações de um anseio que empolga todas as separadas estruturas do mundo das almas.

Os egos individuais são tão suscetíveis à paixão de identificação quanto os organismos biológicos. O espírito da mariposa adentra a chama que lhe atraiu o voo apaixonado. Toda alma é absorvida naquilo que ela adora. Toda consciência se transforma naquilo com que ansiou sistemática e ardentemente identificar-se.

Todo viver espiritual é um paradoxo. Aquele que quiser realizar seu grande sonho precisa identificar-se com o sonho, e o que deseja tornar-se divino tem de amar a Deus com paixão que a tudo consome. Entretanto, o sonhador deve permanecer sendo testemunha de seu sonho, para evitar que seja absorvido pela própria sombra de seu ideal; e o devoto não pode “conhecer” a Deus, salvo se permanecer como continente da divindade. A identificação só pode ser eficaz através da não-identificação da consciência com o processo de identificação. Deixar-se consumir pelo Fogo, e não obstante zelar pela chama – este é o alvo. E, este alvo só pode ser alcançado usando-se este dom magicíssimo do espírito: a virtude da não identificação.


Todos os homens, mulheres e crianças estão vivendo dentro de um mar psicológico onde fervilham incontáveis Imagens com as quais eles podem vir a identificar-se. Identificação pode significar fraqueza; pode revelar força. A identificação dever ser uma fase no desenvolvimento. O homem firmado no espírito, seguro em sua Identidade individual, ultrapassa-a em sua jornada. Conscientemente, ele faz o papel esboçado pelas Imagens. Ele é o fogo, e ele é a lareira. Ele está contido, e é o continente. Embora todo seu ser vibre ao influxo do poder, ele permanece firme, conhecendo. Ele contém poder como um motor contém erupções explosivas de moléculas. Ele abrange e usa esse poder que multidões de homens menores verteram sobre a Imagem em sua identificação apaixonada e incontrolável.

É preciso haver identificação para que haja plenitude de substância e de poder para utilizar. O homem precisa ousar perder a alma a fim de alcançar a condição em que possa fazer uso da Alma protéica do Todo. Precisa ousar beber tanto o copo como a água, e descobrir-se como não sendo nada, antes de pretender conquistar a capacidade de utilizar tudo. Esta capacidade é o Eu. Ele é espírito em ato. É livre de identificação, porque pode usar os poderes nascidos da identificação com qualquer Imagem necessária para toda atuação que lhe seja requerida.

Todo viver espetaculoso é vivido em nome de uma Imagem, ou de um deus; pois só um viver assim pode esperar obter a vassalagem de grupos e de coletividades. É o Mito que triunfa, não a personalidade que se tornou investida do poder a Imagem mística. Mas, grandes personagens espirituais são indivíduos que refundem a forma do Mito no molde de suas próprias vitórias individuais. Eles passam a ficar identificados com o Mito, mas neles, e a partir deles, o Mito renasce.

A técnica que conduz a isso é essencialmente a do desempenho ritual. Nessa técnica, edificam-se formas que dão ao indivíduo, ou ao grupo, a capacidade de conter o poder liberado durante o processo de identificação com as grandes Imagens do Inconsciente. Essas formas (estruturas de comportamento, formulações verbais, gestos consagrados, sequências tonais, etc.) adquirem força resistente através da repetição exata. Elas se tornam os continentes do poder psíquico. Elas ligam a vontade e a atenção dos homens, assim como a química liga as moléculas na fabricação dos plásticos. Elas são – se forem fiéis ao espírito – os meios por intermédio dos quais os indivíduos podem ousar fazer face, sem reservas, aos poderes nascidos do relacionamento – social e internacional, tanto quanto sexual e pessoal – sem se deixar absorver totalmente por esses poderes a ponto de perder a própria identidade.

As técnicas evocativas manifestam-se nos cerimoniais de todos os tipos – nos campos da ação oculta ou religiosa, na política, no mundo dos negócios, na guerra ou na celebração da vitória. As técnicas invocatórias operam principalmente através do que se conhece como prece ou meditação oculta, ou mediante a expressão artístico-literária individual.

Em essência, a “invocação” é uma chamada do espírito. Os portais da alma são conservados abertos ao influxo espiritual onde a necessidade seja extrema e mais agudamente reconhecida.

Esta é a glória e tragédia do indivíduo humano – o mistério do homem “perante o limiar”; pois o poder do homem reside em seus contrastes e em sua capacidade de se querer inteiro. O homem é contraste e paradoxo, o eterno claro-escuro, luz e sombra. Ele está em sua maior exaltação onde sua paixão dinâmica é mais aguda, entretanto sua totalidade é mais abrangente; quando, em sua alma, os opostos sempre se encontram em inter-relação rítmica e criativa.

O homem é a paixão movente do universo. Não há nada tão profundo que ele não anseie experimentar em identificações cruciais. Não há profundezas que o espírito não possa alcançar através do homem apoiado no Eu e sereno no fulcro de todas as tempestades. O homem é o fogo e a lareira, a lenha e o sacrifício, o devoto e o sacrificador. Todas as coisas são possíveis através do homem evocador do poder, invocador do poder, invocador de Deus. Todas as coisas são possíveis “com Deus”.

Tríptico Astrológico, D. R.

A QUÍMICA DO SIGNO DE ESCORPIÃO V


Cinturão de Kuiper. Fonte: AstroWatch.

O planeta (?) Plutão

Desde a década de 1930, Plutão não parou de encolher a cada novo avanço das técnicas de mensuração. Sua massa despencou da estimativa original de cerca de dez vezes a massa da Terra para um décimo, depois para um centésimo e, enfim, para dois milésimos da massa terrestre. Do mesmo modo, seu diâmetro se reduziu de 12,8 mil quilômetros (quase igual ao da Terra) para 2,5 mil – no máximo. O planeta é, na realidade, menor que Mercúrio e menor até mesmo que sete satélites do Sistema Solar, entre eles a Lua. O diâmetro de Caronte, a lua descoberta em 1978, equivale a metade da largura do próprio Plutão (para comparar, o diâmetro da maioria das outras luas é apenas um centésimo da largura dos planetas que elas orbitam).

Mirrado e ridicularizado, ele foi totalmente destituído de sua razão de ser depois que a Voyager 2 passou por Netuno em 1989. A necessidade de um nono planeta evaporou-se quando ficou confirmado que Netuno e Urano contrabalançavam as anomalias orbitais um do outro. Os cálculos que levaram Lowell a prever o planeta X mostraram-se aparentemente tão ocos quanto os canais marcianos. Plutão adquirira renome público como resposta a uma pergunta sem sentido.

Em 1992, um pequenino astro parecido com Plutão surgiu nos confins do Sistema Solar, seguido em 1993 por cinco outros semelhantes a ele e, nos anos seguintes, por centenas e centenas de outros corpos. Essa população periférica conferiu a Plutão uma nova identidade – se não o último planeta, então o primeiro cidadão de uma praia longínqua e prolífica.

Plutão parece estar revivendo a história do primeiro asteróide, Ceres. Perseguido, como Plutão, por motivos matemáticos, ele foi saudado como o “planeta perdido” entre Marte e Júpiter no início do século XIX. Quando observações sucessivas provaram que Ceres era pequeno demais, e seu tipo, numeroso demais para ser incluído entre os mundos maiores, os astrônomos reclassificaram todos eles como “asteróides” em 1802 e, mais tarde, como “planetas menores”.

Mesmo entre os seiscentos membros da fraternidade de astrônomos planetários, opiniões sobre Plutão permanecem ferozmente divididas. É um planeta ou não é? Infelizmente, a palavra “planeta”, cunhada muito antes de a ciência exigir uma especificidade rigorosa de definições, não tem como sustentar a imensidão de gradações possíveis de sentido implicadas pelas descobertas mais recentes.

A campanha para excluir Plutão do cadastro planetário, algo que quase todos consideram um rebaixamento inglório, é na verdade uma homenagem à diversidade maior de um Sistema Solar expandido. Plutão e seus confrades ocupam a chamada “terceira região”, que tem o formato de um donut e se estende no mínimo cinquenta vezes a distância Terra-Sol para além de Netuno. Como todos os objetos desse território diferem fundamentalmente dos planetas terrestres da primeira região e dos gigantes gasosos gelados da segunda, receberam uma nova designação específica: “anões gelados”, “objetos do Cinturão de Kuiper” ou ainda “objetos transnetunianos”.

A população do Cinturão de Kuiper cresce ininterruptamente e inclui entre os seus maiores habitantes Quaoar, Varuna e Ixion, todos descobertos em 2001 e 2002.

Plutão, o primeiro e primaz objeto do Cinturão de Kuiper, obedece a uma órbita fortemente inclinada e altamente elíptica. Ao longo de um período de 248 anos, alterna entre elevar-se muito acima e mergulhar muito abaixo do plano do Sistema Solar, e entre vagar a uma distância do Sol quase duas vezes maior que a de Netuno num extremo e insinuar-se no interior da órbita deste no outro. Essa trajetória errante, tão diferente da de qualquer outro planeta, contribuiu para que ele fosse taxado de excêntrico desde o início. Entretanto, pelos padrões do Cinturão de Kuiper, sua órbita é quase corriqueira. Cerca de outros 150 objetos do cinturão seguem cursos similares e evitam colidir com Netuno mediante um acordo de ressonância entre eles: Netuno circunda o Sol três vezes no mesmo tempo que Plutão e companhia levam duas para circulá-lo. quando Plutão invade a órbita de Netuno, o faz sempre no auge da amplitude de oscilação, deixando Netuno bem abaixo e afastado no mínimo um quarto de volta.

Plutão gira em torno de seu eixo uma vez a cada seis dias, mostrando e ocultando os indistintos borrões de sua vaga paisagem. Como Urano, ele está deitado de lado – isto é, o plano do equador está quase em ângulo reto com o plano de sua órbita –, vítima de uma colisão no passado. Na verdade, os cientistas planetários acreditam que o mesmo agente impactante derrubou Plutão e lascou fora sua lua, Caronte, de um só golpe.

Plutão e Caronte, distantes um do outro menos de 20 mil quilômetros, estão em órbita travada em torno de um ponto a meio caminho entre ambos. Os dois giram na mesma velocidade enquanto circulam esse ponto em conjunto, de tal modo que um mantém sempre a mesma face voltada para o outro. Graças a esse arranjo orbital incomum, podemos até nos referir a esses astros como sistema “Plutão-Caronte”, o primeiro exemplo conhecido de um verdadeiro planeta “duplo” ou “binário”.

Plutão e Caronte. Fonte: Universe Today.

Menos de uma década depois da descoberta de Caronte, Plutão e sua lua posicionaram-se no espaço de tal modo que se revezam eclipsando um ao outro, conforme vistos da Terra. Esse arranjo fortuito só ocorre duas vezes durante a órbita do planeta, ou uma vez a cada 124 anos. A partir de 1985, os astrônomos tiraram bom proveito dessas inúmeras ocultações mútuas e deduziram as melhores aproximações possíveis da massa, diâmetro e densidade dos dois corpos. Com cerca de duas vezes a densidade da água, Plutão e Caronte são mais densos do que qualquer um dos gigantes gasosos vizinhos, embora não cheguem nem à metade da densidade dos planetas terrestres ricos em ferro: Mercúrio, Vênus e Terra.

Possivelmente entre dois terços e três quartos de Plutão consistem em rocha, e o restante, gelo. Acima da sua base de gelo, porções de nitrogênio, metano e monóxido de carbono congelados foram identificados à distância. Quando Plutão se aquece no interior da órbita de Netuno por duas décadas a cada dois séculos, durante sua máxima aproximação do Sol, os gelos superficiais evaporam parcialmente, formando uma atmosfera vaporosa e rarefeita. Subsequentemente, quando se afasta do Sol e sua temperatura volta a cair para o nível de frigidez normal (em torno de 200 graus Celsius negativos), essa atmosfera despenca e cobre o chão, especialmente em torno dos pólos, com uma neve fresca e exótica. Sob esse aspecto, Plutão comporta-se mais ou menos como um cometa (que também se aqueceria e liberaria gás gelado ao aproximar-se do Sol), embora permaneça distante demais para fazer uma exibição digna de nota.

Quando a luz do Sol chega a Plutão, a distãncia atenuou-a cerca de mil vezes. Isso significa que, de dia, o planeta lembra uma noite de inverno iluminada pela Lua. Na sua paisagem refletora, geadas superficiais brilhantes coexistem com áreas escuras, que talvez representem afloramentos de rocha ou depósitos de compostos orgânicos extorquidos do gelo pela radiação ultravioleta do Sol. Polímeros com cores indicativas da presença de carbono – rosa, vermelho, laranja, preto – provavelmente proliferam em Plutão.

Apesar da similaridade entre as composições de Plutão e Caronte, e da origem comum de ambos, a massa e a gravidade menores da Lua levam-na a abrir mão de seus gases. As moléculas vaporizadas na sua superfície não ficam pairando, à espera, para retornarem mais tarde como flocos de neve; elas simplesmente escapam espaço afora. Como resultado, Caronte reflete muito menos luz do que Plutão, e sua superfície provavelmente parecerá fosca e neutra em fotografias quando o mundo binário Plutão-Caronte for enfim visualizado por uma espaçonave visitante.

A demografia do Cinturão de Kuiper já lança indícios das grandes ondas migratórias que caracterizam a história primitiva do Sistema Solar. Ao que parece, na época em que os planetas gigantes estavam finalizando seus processos de acreção, todos os objetos do Cinturão de Kuiper foram exilados de posições mais próximas do Sol para o local onde se encontram hoje. Júpiter e Saturno engoliram alguns planetesimais que se encontravam por perto e aceleraram muitos outros com tal força que esses corpos foram banidos do Sistema Solar. Embora Urano e Netuno também participassem dessa diáspora planetesimal, careciam de força suficiente para arremessar os objetos inteiramente além do alcance do Sol e acabaram relegando-os ao Cinturão de Kuiper.

Como resultado desses deslocamentos, Júpiter perdeu parte de sua energia orbital e aproximou-se do Sol. Por sua vez, Saturno, Urano e Netuno ganharam energia e se afastaram. Plutão, que teria ocupado uma órbita circular regular nessa fase, foi empurrado para longe pela influência gravitacional de Netuno. Ao longo de dezenas de milhões de anos, Netuno forçou Plutão, o expatriado arquetípico, a seguir uma trajetória cada vez mais elíptica e cada vez mais inclinada.

Plutão e outros residente do Cinturão de Kuiper foram bastante assolados pelos eventos no Sistema Solar. Os cientistas esperavam que o cinturão preservasse materiais originais em estado prístino, tal como eram desde a formação do Sol, mas hoje o veem como uma zona de guerra para onde os astros foram lançados e onde engalfinham-se uns com os outros. As raízes genealógicas legítimas, inconspurcadas, da família solar terão de ser buscadas em alguma região ainda mais remota.

Esses escombros antigos encontram-se tão distantes e distribuídos numa área tão distendida que a periferia do Sistema Solar mostra-se transparente como uma bola de cristal. Pela bolha de suas bordas limítrofes podemos enxergar até o infinito – através da Via Láctea, que abriga o nosso Sol, até as outras galáxias que rodopiam como cata-ventos espalhados pelo universo, com bilhões de estrelas fervilhando de planetas.

Às vezes, o estupefaciente vislumbre do espaço profundo faz com que eu queira me enfurnar, como um pequenino animal buscando a segurança quente do seu ninho terrestre. Mas um número igual de vezes sinto o universo chamar meu coração e oferecer, em todas as suas Terras espalhadas na imensidão, uma comunidade maior à qual pertencer.

Os Planetas, D. S.

A QUÍMICA DO SIGNO DE ESCORPIÃO IV


Orfeu diante de Plutão, de F. Perrier. Fonte: The Lost Universe.


O símbolo Plutão

Este planeta encarna na Astrologia a força que preside as grandes mutações das eras geológicas e das espécies, as produndezas da matéria, o mundo atômico, a conquista do espaço, o laser e a cirurgia do coração. É o símbolo da reconstituição radical, sobre novas bases, rejeitando os elementos prejudiciais ou supérfluos. Seus efeitos parecem muitas vezes tão repentinos e imprevistos como os de Urano e de Netuno. Mas, contrariamente à desses dois planetas, a sua influência revela-se nitidamente benéfica e animada por um profundo sentimento de justiça, ainda que ela possa parecer imoral ou anormal, estando acima de nossas convenções humanas.

Plutão, o príncipe das trevas, é o símbolo das profundezas de nossa trevas interiores, ligadas à noite original da alma, isto é, às camadas mais arcaicas da Psique. Quando Jung declara que o homem civilizado ainda arrasta atrás de si a cauda de um sáurio, fixa a imagem infernal dessa região ancestral do indivíduo governada por este planeta. É o teclado das tendências afetivas do estado sadoanal com as forças do mal: o negro, o feio, o sujo, o mau, a revolta, o sadismo, a angústia, o absurdo, a negação, a morte...

Tocamos nesse mesmo teclado quando Jung nos engaja na busca do nosso dragão, convidando-nos a desenvolver a consciência do invisível, a nos assegurar da posse de nossos tesouros desaparecidos, a abrir o acesso para as riquezas ocultas, a descobrir seus arcanos os mais secretos, para a realização espiritual ou metafísica.

O alinhamento do Eu com as verdades mais profundas do ser dá o poder, se não uma vontade de poder oculta, que tem a última palavra nos assuntos humanos. Em contrapartida, se o ser recusa essas necessidades vitais mais fundamentais, fermentações interiores destroem o equilíbrio e, através de catástrofes que roubam o chão de nossos pés, Plutão abre o abismo pronto a precipitar o homem e a devorá-lo: é a estação no inferno.

Dicionário de Símbolos, J. C. & A. G.

Ilustração de Hades. Fonte: Blog Efesto do Olimpo.

Hades, o mito

O deus e rei dos mortos, filho de Cronos e de Rea, e irmão de Zeus, de Hera, de Poseidon, de Hestia e de Deméter.

À semelhança de seus irmãos, Hades tinha sido engolido por Cronos logo após seu nascimento, sendo expelido depois. Na luta contra os Titãs ele usou um capacete feito pelos Cíclopes, que tornava invisível quem o tinha.

Hades era casado com Perséfone, sua sobrinha, que reinava com o marido inflexivelmente sobre os mortos. Para casar-se com Perséfone, Hades raptou-a nos prados da Sicília enquanto ela, ainda adolescente, colhia flores juntamente com suas companheiras. Zeus ordenou-lhe que a restituísse a Deméter, desesperada com o desaparecimento da filha. Hades, entretanto, sabendo que quem recebesse qualquer alimento no reino dos mortos jamais poderia sair de lá, fê-la comer um grão de romã. Para satisfazer Deméter e Hades, Zeus decidiu que Perséfone passaria metade do ano (ou um terço segundo uma das versões da lenda) no mundo dos mortos com seu marido, e o resto do ano com sua mãe no Olimpo.

Contava-se a propósito da inflexibilidade de Hades que ele quis impedir a entrada de Heraclés no inferno quando o herói ia realizar um de seus trabalhos; Heraclés, entretanto, feriu-o com uma de suas flechas, obrigando-o a subir ao Olimpo à procura de Paian, que o curou com seus bálsamos.

Hades ( = ”invisível” em grego) não era invocado pelo seu nome, cuja menção excitar-lhe-ia a cólera, e sim por meio de eufemismos, sendo o mais comum Plutão ( = “rico” em grego, epíteto ritual de Hades, rei do inferno), talvez numa alusão à fecundidade inexaurível da terra.

Perséfone e Hades. Fonte: Wikipedia.

Oríon

Um caçador gigantesco, filho de Euríale e de Poseidon (ou de Hirieu), ou o filho de Gaia (a Terra). Oríon recebeu de Poseidon a capacidade de caminhar sobre as ondas, e era dotado de força e beleza extraordinárias.

Oríon foi para Quios, cujo rei, chamado Oinopíon, pediu-lhe para livrar a ilha das feras que ameaçavam seus habitantes. Oríon apaixonou-se por Merope, filha de Oinopíon, mas este não aprovou o casamento. Um dia, depois de embriagar-se (ou ser embriagado por Oinopíon), Oríon quis violentar Merope, e Oinopíon cegou-o. Oríon viajou então para o lugar em que ficava a forja de Hefesto; chegando lá pôs um menino nos ombros e pediu-lhe para virá-lo de frente para o sol nascente. Oríon recuperou a visão no mesmo instante e retornou para vingar-se de seu agressor, mas não conseguiu porque Hefesto construiu um refúgio subterrâneo para Oinopíon.

Pouco tempo depois Eós (a Aurora) apaixonou-se por ele e o levou consigo para Delos. Lá Oríon tentou violentar Ártemis, e a deusa mandou um escorpião picá-lo no calcanhar, matando-o. Ártemis, agradecida ao escorpião, transformou-o numa constelação, fazendo o mesmo com Oríon. No próprio firmamento a constelação de Escorpião está sempre no encalço da constelação de Oríon.

Dicionário de Mitologia Grega e Romana, M. G. K.

Órion

Órion era o filho de Netuno. Era um gigante muito belo e um grande caçador. O pai deu-lhe o poder de caminhar através das produnfezas marítimas, ou, segundo dizem alguns, o poder de andar na superfície do oceano.

Órion apaixonou-se por Mérope, a filha de Eunápio, rei de Quios, e pediu-a em casamento. O gigante dizimou as feras que viviam na ilha e trouxe os despojos da caça como um presente para a sua amada. Como, entretanto, Eunápio sempre adiava o seu consentimento, Órion tentou ganhar a posse da virgem pela força. O pai da moça, furioso com essa conduta, embebedou o pretendente, tirou-lhe a visão e lançou-o ao mar. O herói cego guiou-se pelo som do martelo do ciclope até alcançar Lemnos, onde encontrou a forja de Vulcano, que, comovido com seu estado, deu-lhe um de seus homens, Cedálion, para conduzi-lo até a morada do Sol. Tendo Cedálion sobre seus ombros, Órion continuou rumo ao leste, e lá, encontrando-se com o deus-Sol, teve a sua visão restabelecida pelo poder dos seus raios.

Depois disso Órion viveu como um caçador, com Diana, de quem era favorito, e dizia-se até mesmo que estiveram para se casar. O irmão de Diana, insatisfeito por isso, censurava-a, mas sem resultado. Um dia, observando Órion que vagueava pelo mar tendo apenas a cabeça fora da água, Apolo apontou-o à sua irmã, desafiando-a para que acertasse aquele ponto negro que se movia no mar. A deusa-arqueira desferiu uma flechada fatal.

As ondas levaram o cadáver de Órion para a praia, e, percebendo seu terrível erro, com muitas lágrimas, Diana situou-o entre as estrelas, onde ele aparece como um gigante, com um cinturão, uma espada, as vestes de pele de leão e uma clava. Sírios, seu cão, está ao seu lado e as plêiades voam à frente dele.

O Livro da Mitologia, T. B.

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Vulcão Krakatau (Krakatoa). Fonte: Blog Krakatau Vulcano.

O símbolo Violeta

Cor da temperança, feita de uma proporção igual de vermelho e de azul, de lucidez e de ação refletida, de equilíbrio entre a terra e o céu, os sentidos e o espírito, a paixão e a inteligência, o amor e a sabedoria. O violeta é o resultado dessa troca perpétua entre o vermelho ctoniano da força impulsiva e o azul-celeste.

Observemos que a alquimia e, de um modo mais geral, a doutrina hermética se baseiam no esquema da troca perpétua entre o céu e a terra através do mecanismo da evolução – ou ascensão – seguido da involução – ou descida. Em outras palavras, é o ciclo da renovação periódica, sendo a morte e a sublimação seguidas do renascimento ou da reencarnação.

Aprofundando essa interpretação, o violeta, no horizonte do círculo vital, situa-se do lado oposto ao verde: ele significaria, não a passagem primaveril da morte à vida, i.e., a evolução, mas a passagem outonal da vida à morte, a involução. Seria, portanto, de certa forma, a outra face do verde e como ele estaria ligado ao simbolismo da goela, sendo o violeta a goela que engole e apaga a luz, enquanto o verde é a goela que rejeita e reacende a luz. Assim, é compreensível que o violeta seja a cor do segredo: atrás dela realizar-se-á o invisível mistério da reencarnação ou, ao menos, da transformação.

Eis por que nos monumentos simbólicos da Idade Média, Jesus Cristo veste uma túnica violeta durante a paixão, ou seja, quando ele assume completamente a sua encarnação, e que, no momento de realizar o seu sacrifício, esposa em si mesmo inteiramente o Homem, filho da terra, que irá redimir, com o Espírito celeste, imperecível, ao qual retornará. É este mesmo simbolismo que cobre o coro das igrejas de violeta às Sextas-Feiras Santas. Pela mesma razão, inúmeros evangeliários, livros de salmos e breviários, anteriores ao Renascimento, são escritos com letras douradas sobre um pergaminho violeta: o leitor tinha continuamente sob os olhos a revelação, representada pelo ouro, e a paixão de Nosso Senhor, representada pela cor violeta.

Uma consequência tardia deste simbolismo mortuário fez do violeta a cor do luto ou do semiluto em nossas sociedades ocidentais – o que evoca ainda mais precisamente a ideia, não da morte enquanto estado, mas da morte enquanto passagem.

F. Portal observa, por fim, segundo Winkelman, que o manto de Apolo era azul ou violeta, o que se reveste de especial importância se pensarmos no parentesco dessa figura com a de Cristo nas mitologias solares tardias. Mas o violeta é também cor de obediência, de submissão, o que não vem contradizer a sua associação com a paixão de Cristo. Wallis Budge registra o costume de prender ao pescoço das crianças uma pedra violeta não só para protegê-las da doença, mas para torná-las dóceis e obedientes.

O violeta é também uma cor de tranquilidade na qual o ardor do vermelho é suavizado. É nesta acepção que se deve compreender também a roupa violeta do bispo. À diferença do místico, este, encarregado de velar sobre o seu rebanho, tem de temperar o ardor de suas paixões: daí a cor de sua roupa. O Extremo Oriente interpreta com um sentido totalmente diferente, puramente carnal. Os coitos rituais entre yogi, nos ritos tântricos, se realizam num quarto iluminado por uma luz violácea, porque a luz violeta estimula as glândulas sexuais da mulher, enquanto o vermelho ativa as do homem.

Fonte: Picphotos.

A Temperança

A temperança significa o domínio do desejo, a moderação, a medida: esta moderação que, cromaticamente, produz a cor violeta. Feita da combinação do vermelho com o azul, cores que predominam na carta do Tarô, é também a junção do ativo e do passivo, simbolizando o mistério da criação, invisível, secreto.

É a entrada do espírito na matéria, o símbolo de todas as transfusões espirituais. O gênio alado realiza e encarna sobre o plano material as obras da Justiça, mas não cria nada por si mesmo.

A Temperança contenta-se em passar, de um recipiente para outro, um líquido ondulante que permanece inalterado, sem que jamais se perca uma gota sequer. Somente o vaso muda de forma e de cor. Não seria, como o havíamos percebido a respeito da serpente, o símbolo do dogma da Reencarnação ou da transmigração das almas? Basta lembrarmos que em grego clássico o ato de derramar de um vaso em outro é tomado como sinônimo de metempsicose.

Assim, entre a Morte e o Diabo, a temperança alada nos faz lembrar a grande lei da eterna circulação dos fluidos vitais, no plano cósmico, e, no plano psicológico, a necessidade do difícil equilíbrio interior que devemos manter entre os dois pólos do nosso ser, feito pela metade vermelho e azul, de terra e céu. Se o líquido que passa de um vaso a outro apresenta ondulações que não têm relação alguma com as leis físicas, é porque a serpente é aí, uma vez mais, o símbolo da passagem indefinidamente recomeçada de um mundo a outro.

Dicionário de Símbolos, J. C. & A. G.

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O símbolo Inferno

Entre os gregos, Hades, o invisível – segundo uma etimologia duvidosa – é o deus dos mortos. Como ninguém ousasse pronunciar-lhe o nome, por temor de lhe excitar a cólera, ele recebeu o apodo de Plutão (o Rico), nome que implica um terrível sarcasmo, mais do que um eufemismo, para designar as riquezas subterrâneas da terra, entre as quais se encontra o império dos mortos. E esse sarcasmo torna-se macabro quando se coloca uma cornucópia entre os braços de Plutão. Na simbologia, entretanto, o subterrâneo é o local das ricas jazidas, o lugar das metamorfoses, das passagens da morte à vida, da germinação.

Após a vitória do Olimpo sobre os Titãs, foi feita a partilha do universo entre os três irmãos, Filhos de Cronos e de Reia: a Zeus coube o Céu; a Poseidon (Netuno), o Mar; a Hades, o mundo subterrâneo, os Infernos ou o Tártaro. Senhor impiedoso, tão cruel quanto Perséfona, sua sobrinha e esposa, ele não dá trégua a nenhum de seus súditos (ou vítimas). Seu nome foi dado ao lugar por ele dominado; Hades tornou-se símbolo dos Infernos. E, ainda nesse caso, as características são as mesmas por toda a parte: lugar invisível, eternamente sem saída (salvo para os que acreditavam nas reencarnações), perdido nas trevas e no frio, assombrado por monstros e demônios, que atormentam os defuntos. Já no Egito, por exemplo, no túmulo de Ramsés VI, em Tebas, os infernos eram simbolizados por cavernas, repletas de almas danadas. Mas nem todos os mortos eram vítimas de Hades.

Paul Diel interpreta o inferno na perspectiva da análise psicológica e ética: Cada função da psique é representada por uma figura personificada, e o trabalho intrapsíquico de sublimação ou de perversão encontra-se expresso pela interação desses personagens significativos. O espírito chama-se Zeus; a harmonia dos desejos, Apolo; a inspiração intuitiva, Palas Atena; o recalque, Hades; etc., o élan evolutivo (o desejo essencial) acha-se representado pelo herói; a situação conflitiva da psique humana, pelo combate contra os monstros da perversão. Dentro dessa concepção, o inferno é o estado da psique que, em sua luta, sucumbiu aos monstros, seja por ter tentado recalcá-los no inconsciente, seja porque aceitou identificar-se com eles numa perversão consciente.

Segundo a crença dos povos turcos altaicos, chega-se perto dos espíritos dos infernos quando se caminha do Oeste para o Este, ou seja, no sentido inverso ao do percurso solar, que somboliza, ao contrário, o movimento vital progressivo. Essa caminhada, em sentido oposto ao da luz, em vez de ir ao seu encontro, simboliza a regressão para as trevas.

Na tradição cristã, a conjunção luz-trevas simbolizaria os dois opostos: o céu e o inferno. Plutarco já descrevia o Tártaro como privado de sol. Se a luz se identifica com a vida e com Deus, o inferno significa a privação de Deus e da vida.

A essência íntima do inferno é o próprio pecado mortal, em que os danados morreram. É a perda da presença de Deus; e, como já nenhum outro bem poderá jamais iludir a alma do defunto, separada do corpo e das realidades sensíveis, o inferno é a desventura absoluta, a privação radical, tormento misterioso e insondável. É a derrota total, definitiva e irremediável de uma existência humana. A conversão do danado já não é mais possível; empedernido em seu pecado, ele está para sempre cravado na sua dor.

Dicionário de Símbolos, J. C. & A. G.